A delicada relação de Lula com empreiteiras
17 de julho de 2015Após atravessar relativamente incólume a série de escândalos que vem afetando o governo federal nos últimos meses, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a figurar na galeria de políticos que enfrentam investigações conduzidas pelo Ministério Público. O motivo: a intensa relação que cultiva com a Odebrecht, que levantou a suspeita de que o ex-presidente estaria fazendo tráfico de influência com objetivo de favorecer a construtora em negócios no exterior.
Um dos principais grupos do Brasil, atuante nos setores de construção civil, petroquímico e de produção de energia, a Odebrecht foi responsável por custear – junto com outras empreiteiras – visitas a mais de 20 países realizadas por Lula pós deixar a Presidência, no final de 2011.
Diferentes fases da Operação Lava Jato, que investiga o escândalo de corrupção em contratos da Petrobras, já haviam afetado a Odebrecht e resultado na prisão de diretores e do presidente da empresa, Marcelo Odebrecht. No entanto, a relação entre Lula e a multinacional era apenas alvo de uma apuração preliminar por parte da Procuradoria da República no Distrito Federal, que agora passou a investigar formalmente a hipótese de que o ex-presidente possa estar usando o prestígio acumulado durante seu governo para alavancar negócios da Odebrecht no exterior.
"Não há nada de ilegal em um ex-presidente aceitar convites de empresas e realizar palestras pagas. O problema, no caso de Lula, é a forte influência que ele ainda exerce no governo. Outros ex-presidentes brasileiros montaram institutos, fizeram palestras pagas, mas somente Lula fez uma sucessora, Dilma Rousseff, e continua a ter uma posição influente no governo. Um pedido dele é uma ordem no governo e, por sua vez, o governo pode influir nas obras de outros países. É isso que levanta as suspeitas e por isso elas devem ser investigadas", afirma o cientista social Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Viagens e palestras
O Instituto Lula sempre negou que o ex-presidente tenha atuado como lobista para qualquer construtora brasileira, mas admitiu em várias ocasiões que o petista realizou viagens bancadas pelas empresas para realizar palestras no exterior. Também confirmou em junho que o próprio instituto recebeu uma doação de 3 milhões de reais da Camargo Corrêa, outra gigante da construção no Brasil que também possui negócios no exterior. Lula também recebeu 1,5 milhão de reais da construtora como pagamento por quatro conferências.
Documentos apreendidos em diversas fases da Operação Lava Jato ou que foram revelados pela imprensa local mostram que, nos últimos anos, o ex-presidente viajou para destinos tão diferentes como Cuba, Panamá, Nigéria, Benin, Gana e Guiné Equatorial em jatinhos pagos pelas empreiteiras Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez e Odebrecht. Durante esses encontros, Lula se reuniu com empresários, concedeu palestras e se encontrou com políticos locais. Em alguns casos, depois das viagens, as empreiteiras fecharam negócios volumosos nesses países.
O Instituto Lula afirma que divulga as viagens do ex-presidente para o exterior, mas sempre se esquiva em detalhar quem são os responsáveis pelo custeio e a proximidade de Lula com as construtoras.
Outros documentos apreendidos na construtora OAS e divulgados em junho apontaram indícios do suposto esquema de lobby do ex-presidente. Em mensagens enviadas em 2013, executivos da empreiteira detalham que deixaram um avião à disposição de Lula para que ele viajasse ao Chile e chegaram a definir sua agenda de encontros em Santiago. A Camargo Corrêa, por sua vez, patrocinou palestras do ex-presidente Lula em Portugal, em 2011, em Moçambique e na África do Sul, em 2012, e na Colômbia, em 2013.
Odebrecht: laços mais estreitos
Mas, apesar da divulgação dos laços do presidente com outras empreiteiras, nenhuma relação de Lula parece ter sido mais próxima do que a cultivada com a Odebrecht.
A empresa mantém há décadas uma relação de proximidade com todos governantes brasileiros e se tornou um gigante durante o governo militar (1964-1985). A Odebrecht já era a maior construtora do país no início dos anos 2000, mas entre 2003 e 2014, durante os mandatos de Lula e Dilma Rousseff, viu sua receita saltar de 17,3 bilhões de reais para 107,7 bilhões – um crescimento superior a 500%.
Além da presença maciça em obras no Brasil – várias delas sob suspeita de servirem para esquemas de corrupção –, a Odebrecht também é uma das empresas brasileiras com maior atuação no exterior, sendo responsável por obras em países da África e da América Latina.
Segundo o professor Prando, um dos principais problemas na situação envolvendo Lula é o papel desempenhado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nas obras tocadas pelas empreiteiras em outros países, que em alguns casos parecem seguir critérios da política externa do governo, que busca se aproximar de países da África e da América Latina, uma política iniciada no governo Lula.
Nesse esquema de financiamento de obras no exterior, o banco abre uma linha de crédito para um país, que em seguida repassa os valores para a empresa responsável por tocar as obras – e a escolha da empreiteira fica a critério do país.
De acordo com dados do BNDES, desde 2007, a partir do segundo mandato de Lula, a Odebrecht abocanhou 8,4 bilhões de dólares do banco para financiar obras de engenharia no exterior. O montante equivale a cerca de 70% dos 12 bilhões liberados pelo BNDES no período para financiar obras do gênero no exterior.
Em 2013, um dos executivos da empresa, Alexandrino Alencar, responsável pela área de Relações Institucionais da construtora Odebrecht, chegou a acompanhar Lula em viagens para Cuba, República Dominicana e Estados Unidos. Em todas as escalas, os voos foram custeados pela DAG Construtora, uma das empresas parceiras da Odebrecht na Bahia. A viagem custou 435 mil reais. Alencar foi preso em junho pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras e se demitiu da empresa.
No mesmo ano, Alencar acompanhou Lula numa viagem com destino à Nigéria, a Benin e a Gana. Nesse último país, Lula se reuniu com o presidente John Mahama. Quatro meses depois, a Odebrecht assegurou uma obra de 200 milhões de dólares com o governo ganês, que contou com um financiamento do BNDES.
Linha tênue
Para Prando, o caso envolvendo Lula é mais um exemplo do complicado relacionamento das grandes empresas com o governo brasileiro.
"O problema, volto a repetir, não é exatamente políticos terem algum tipo de relação com empresas. O problema é que, no Brasil, a classe política ainda não aprendeu a separar o aspecto privado e o político. Um trabalho de consultoria ou uma série de viagens podem facilmente se tornar uma espécie de lobby. As empresas também não têm ideologia quando fazem doações para políticos. É uma forma de investimento."
Desde 2002, as principais empreiteiras implicadas na Operação Lava Jato doaram cerca de 1,1 bilhão de reais para políticos. A Odebrecht sozinha foi responsável por doar cerca de 133 milhões de reais no período.
Em 2014, oito empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato foram responsáveis por doar cerca de 200 milhões para candidatos de 28 partidos políticos. A mais generosa foi a OAS, que doou cerca de 80 milhões. A Queiroz Galvão doou 63 milhões, e a Odebrecht, 54 milhões. Entre os partidos que concentraram as doações estão o PMDB, o PT e o PSDB. Já nas doações diretas aos partidos, a campanha de Dilma Rousseff foi a que mais arrecadou entre as empreiteiras: um total de 64 milhões.
"As grandes empreiteiras sempre mantiveram uma relação próxima com a classe política no Brasil, mas ultimamente a coisa parece ter ficado mais promíscua. As doações de campanha nunca foram tão grandes como hoje e até mesmo um ex-guerrilheiro como José Dirceu pode se sentir confortável atuando como um consultor", diz Prando.
Após o anúncio do Ministério Público sobre a abertura do inquérito, o Instituto Lula classificou, em nota, a ação como "absolutamente irregular, intempestiva e injustificada". E disse que "serão tomadas as medidas cabíveis para corrigir essa arbitrariedade".