A dura batalha das ucranianas por um lugar no Exército
10 de outubro de 2023Lesya Ganzha alistou-se nas Forças Armadas ucranianas assim que começou a guerra de agressão da Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, e foi mobilizada para servir a infantaria nas regiões de Kiev e Kharkiv. Mas "infelizmente o comandante da companhia é categoricamente antimulher", e ela queria se transferir para o reconhecimento aéreo em outra brigada.
"Eu ingressei no Exército para defender a Ucrânia, para ir a combate", enfatiza. Ela foi repetidamente designada para missões no interior, mas por fim conseguiu entrar para a unidade de reconhecimento aéreo de uma brigada de Donetsk.
Alistada desde 2016, Yulia Mykytenko, de 28 anos, já era oficial quando a Rússia invadiu seu país. Ela também queria trabalhar em reconhecimento, mas foi recusada por motivos de gênero. Após assumir funções administrativas numa equipe militar, concluiu o treinamento como oficial, alcançando a patente de segunda tenente.
"Quando me entregaram o comando de uma tropa de reconhecimento, 80% do contingente se transferiu para outras tropas só porque tinham uma mulher como comandante", conta Mykytenko. Atualmente há 42 mil ucranianas servindo nas Forças Armadas, 5 mil das quais na frente de combate.
"Oficialmente aberto a mulheres"
A ativista Hanna Hrytsenko integra a ONG de direitos civis Invisible Battalion, que se engaja pela igualdade de gênero nas Forças Armadas ucranianas. Seu grupo de pesquisa estuda a situação feminina nas instituições militares, destacando problemas e procurando soluções. Hrytsenko relata que desde 2014 as mulheres servem no front, porém a maioria das posições relativas a operações de combate era vedada a elas.
"Mesmo assim elas desempenhavam essas tarefas, mas sem qualquer registro e, portanto, sem soldo nem outras garantias sociais. Ou então elas eram formalmente registradas em postos como cozinheira ou costureira." Se feridas ficava difícil explicar por que estavam em combate. A pressão popular acabou forçando a uma reforma das leis, e em 2018 mulheres passaram a ocupar oficialmente postos em missões de combate.
Ao assumir o comando de uma unidade de reconhecimento, em 2017, Mykytenko trabalhou duro para obter a confiança de seus colegas. "Eu estava sempre presente, em todas as missões. Desse modo fui estabelecendo uma reputação. Alguns que eram categoricamente contra mim retornaram mais tarde à tropa: acabou se constatando que servir numa unidade com uma comandante não era tão ruim assim, afinal de contas."
Ganzha ressalva, contudo: "A não ser que haja carência de pessoal, o desejo das mulheres de servir é encarado como um capricho". Ela tem observado que no Exército a atitude para com as militares é diferente da que se tem em relação aos homens.
Por exemplo, quando seu comandante estava recrutando soldados para uma missão na região de Kiev, ela e outras duas companheiras foram simplesmente preteridas. Tanto ela quanto Hrytsenko concordam: o argumento de que as mulheres devem ser poupadas não passa de "discriminação soft": "Oficialmente, todos os postos em missões de combate são abertos a mulheres, mas na realidade você tem que lutar por eles."
Ameaça latente de assédio sexual
Mykytenko conta, ainda, como, no começo de sua carreira, os colegas homens faziam piadas inapropriadas e insinuações de cunho sexual. "Eu tinha de reagir de modo curto e grosso quando isso acontecia, não havia outro modo de lidar com a situação."
"Meu marido, que também era militar, me apoiava emocionalmente e me protegia fisicamente. Mas, depois que ele foi morto, diversos oficiais fizeram comentários totalmente inadequados." Esse foi um dos motivos por que mais tarde ela se transferiu para outro posto.
Ganzha acredita que a idade a protege de assédios: "As mais jovens se defendem do seu próprio jeito. Em geral elas procuram um protetor. Uma me contou como foi assediada: logo no primeiro dia o comandante fez avanços, que ela rechaçou. Esse foi o fim da questão. Mas eu sei que em outras companhias as coisas eram mais sérias, uma mulher teve que pedir transferência para outra companhia."
Diversas organizações de direitos humanos ajudam as militares que vivenciaram assédio sexual. "Falamos com diversas pessoas que nos deram informações anônimas sobre esse tipo de casos. Mas ainda não sabemos os números reais", conta Hrytsenko, do Invisible Battalion.
Segundo a ativista, outro problema são os obstáculos ao acesso feminino a treinamento militar, que, "claro, não são entraves oficiais". Desde 2019, as ucranianas têm permissão para frequentar academias militares. Mykytenko foi encarregada da direção da primeira subunidade exclusivamente feminina de uma companhia de treinamento em Kiev.
"Mais da metade do pessoal da academia rejeitou categoricamente a ideia de uma subunidade formada inteiramente por mulheres. Acho isso positivo porque muitas dessas primeiras jovens a serem aceitas eram altamente motivadas. O desempenho delas era melhor do que o dos homens, sobretudo nas aulas. Mas elas também se saíam muito bem no treinamento físico."
Em seu relatório mais recente, os pesquisadores do Invisible Battalion registraram outra tendência positiva: cada vez mais mulheres alcançam o título de oficial na Ucrânia: se em 2014 elas eram pouco mais de 1.600, hoje já passam de 5 mil. E em 2021 o Exército nomeou sua primeira general: Tetiana Ostashchenko, comandante das Forças Médicas Ucranianas.