Polêmica
6 de junho de 2007Quase tão tumultuada quanto a vida de Rainer Werner Fassbinder parece ser a discussão em torno da herança deixada pelo cineasta alemão. Duas décadas e meia após sua morte, a ex-mulher Ingrid Caven e outros ex-membros do grupo em torno do diretor resolveram "lavar a roupa suja" perante a opinião pública. Todos, diga-se, também em nome do recentemente falecido Peer Raben – produtor, autor de trilhas sonoras dos filmes de Fassbinder e um de seus amigos mais próximos.
Em carta aberta que circula pelo país e vem sendo citada por vários órgãos da mídia de língua alemã, 25 antigos colaboradores do cineasta pedem o afastamento de Juliane Lorenz da presidência da Fundação Fassbinder. A organização foi criada por Liselotte Eder, mãe do diretor, em 1986, e passou às mãos de Juliane Lorenz após sua morte.
Proximidade ou não?
O significado de Lorenz na vida do diretor é o ponto de partida de toda a polêmica. A própria outorga para si o título de "ex-mulher" (os dois casaram-se supostamente nos EUA, mas a união nunca foi reconhecida em território alemão) e companheira fiel, que morava com o diretor quando este foi encontrado morto, em junho de 1982.
Enquanto isso, os ex-colaboradores de Fassbinder e hoje opositores na questão do legado do diretor afirmam que Lorenz, montadora dos últimos 11 filmes de Fassbinder, era apenas uma assistente do diretor, que cuidava de tudo e "quebrava todos os galhos".
Meias-verdades
O ponto de partida para toda a discussão pública foi uma entrevista concedida por Ingrid Caven, com quem Fassbinder passou dois anos casado oficialmente, ao semanário Die Zeit. Caven acusa Juliane Lorenz de mobbing, arbitrariedade e vulgariade no gerenciamento do legado do cineasta e afirma que a atual presidente da Fundação Fassbinder forja dados biográficos e dissemina meias-verdades a respeito do passado do diretor.
Um dos principais pontos da discórdia é a suposta intenção de Lorenz de "apagar a pessoa de Peer Raben" dos eventos que giram em torno de Fassbinder, ignorando que o músico tenha sido uma espécie de eminência parda, presente em todas as obras do diretor.
"Na frente da mãe de Fassbinder, ela [Juliane Lorenz] afirmava que Rainer [Werner Fassbinder] nunca foi mesmo gay, não tomava drogas e tinha se tornado, por fim, muito caseiro. A mãe certamente acreditou com prazer nisso tudo, deixou-se persuadir e entregou a ela a direção da Fundação, detentora de todos os direitos sobre a obra [de Fassbinder]", acusa Caven no Die Zeit.
Informações precisas
O motivo para abrir a boca somente agora, tantos anos após a morte do cineasta e mais de duas décadas depois da criação da Fundação dirigida por Lorenz é, segundo a própria Ingrid Caven, em declaração a semanário alemão, a intenção de não omitir verdades para as próximas gerações: "Os filmes de Fassbinder são vistos por pessoas com um certo preparo intelectual. Elas têm o direito de obter informações precisas e detalhadas a respeito da vida do diretor. Isso não pode se perder".
Com ou sem seus amigos e colaboradores mais próximos, não se tira da Fundação Fassbinder os méritos de ter digitalizado parte da obra do diretor (como na edição restaurada e lançada em fevereiro deste ano m DVD de Berlim, Alexanderplatz), ter organizado diversas retrospectivas dentro e fora da Alemanha, além da ampliação de um arquivo sobre o diretor e administração dos direitos autorais sobre a obra.
Fogueira de vaidades
Por ironia do destino, a briga pública pelo legado de Fassbinder lembra de certa forma exatamente aquilo que seus filmes mais acidamente criticavam: a mesquinharia, o ciúme e a frieza nas relações de poder.
No pequeno caos em torno de seu legado, vem à tona todo um arsenal de detalhes, desde as lágrimas amargas de duas "viúvas" na vida do notório homossexual Fassbinder, até sua morte em consequência de uma overdose de soníferos e cocaína. Uma "roleta chinesa" de acusações e ofensas, que certamente não chegará tão cedo a um final feliz. (sv)