Em 2018, Joicyane e Deidson tiveram uma grande oportunidade: se mudaram para o Rio Grande do Sul, após ele ser aprovado no mestrado na UFRGS. Saindo do Amapá, a família de baixa renda ainda tinha um filho de 6 meses para sustentar. A bolsa do mestrado foi fundamental para embarcarem nessa jornada, mas, ainda assim, foi preciso vender tudo o que tinham para comprar as passagens e pagar os primeiros meses de aluguel.
Eles não tinham garantia de nada, além da bolsa, e a grande motivação para tamanha coragem foi a esperança de que a pós-graduação trouxesse um futuro melhor para a família. Em 2019, ela foi aprovada no curso de Letras, também na UFRGS, e hoje é beneficiária dos auxílios de permanência. Atualmente, toda a renda da família, incluindo a criação do filho, é oriunda de bolsas e auxílios da universidade e, se não fosse por isso, não teriam a oportunidade de estarem exclusivamente focados em suas formações acadêmicas.
Yuri, estudante da UFJF, se lembra do alívio que foi quando começou a receber o auxílio permanência. "Lembro de um dia quando comecei a receber a bolsa. Fiz algo que sempre quis: levar minha família para comer algo e pagar a conta. Naquele dia, dormi sorrindo, pois pensava em fazer isso só lá na frente, e o auxílio me proporcionou. Foi muito especial para mim."
Já Leidiane, estudante de Física na UFCAT, é beneficiária do auxílio quilombola. "Moro com meu pai e irmã e, nessa pandemia, todos ficaram sem emprego. A renda lá em casa ficou basicamente sendo meus auxílios. Se não tivesse, precisaria largar a faculdade para trabalhar."
Trabalhar ou estudar?
Histórias como a desses estudantes só são possíveis graças aos auxílios de permanência e bolsas que as universidades públicas oferecem para seus discentes. Tais benefícios são oriundos dos avanços das políticas de ingresso, como as cotas e reserva de vagas. Lentamente, as universidades reconhecem que para seu novo público não basta proporcionar o ingresso. É preciso também garantir a permanência, através do investimento na alimentação, moradia e transporte do aluno.
Informar sobre os auxílios – valores, categorias e regras – é necessário e de extrema importância para a tomada de decisão em relação a em qual universidade estudar e, até mesmo, sobre ingressar ou não em uma universidade. Tais informações ajudam a diminuir o peso da decisão "trabalhar ou estudar?".
Luiz é do Rio Grande do Norte e sonhava em ingressar na USP. Esse sonho ficou próximo quando a universidade começou a adotar o Enem como meio de ingresso, pois, assim, ele não teria o custo de ir para São Paulo fazer a prova. No entanto, o sonho só se concretizou quando soube da existência dos auxílios. Morar em São Paulo, a mais de 2.600 km de sua casa, só é possível pois recebe o auxílio moradia e a alimentação. Outros nem cogitam ingressar em uma universidade por não saberem dessas possibilidades.
Em alguns casos, os desfechos não são felizes. Ana é de Campina Grande, na Paraíba, e em 2016 foi aprovada no curso de história na UFCG. No entanto, não conseguiu os auxílios, e isso afetou diretamente sua permanência no curso, já que era de uma zona rural e precisava trabalhar. "Não consegui dar conta de trabalho, ler o material, me sustentar em uma universidade que mesmo sendo pública tem seus investimentos. Acabei abandonado o curso."
Como irei me manter no curso?
Cortes na educação, como aconteceram recentemente, afetam negativamente o orçamento das universidades. O impacto vai desde as contas básicas, como contas de água e salários dos professores, até o oferecimento de auxílios. Algumas delas estão há anos sem reajuste. Nesse cenário, "como irei me manter no curso?" é uma preocupação de milhares de universitários. Isso afeta de forma negativa o desempenho deles nos estudos e, em casos mais extremos, faz com que simplesmente precisem abandoná-los.
Henrique conquistou no ano passado o sonho de cursar Medicina, na UFSCAR. Mas o sonho corre risco de ser interrompido. Segundo ele, os editais dos auxílios foram paralisados devido à pandemia de covid-19. Ele não é de São Carlos, mas, como seu curso é presencial, precisa ficar na cidade. Seu pai é estivador, e a mãe, caseira. Não pode contar financeiramente com a ajuda deles. Antes de ingressar na universidade, trabalhava para ajudá-los. Se a situação continuar da mesma forma, será preciso trancar o curso para trabalhar.
Alguns podem interpretar o oferecimento de tais recursos apenas como um custo e serem favoráveis ao seu corte, porém é um investimento em capital humano com externalidade, ou seja – os beneficiários vão além dos que o recebem diretamente. No futuro, o estudante de baixa renda que só pode obter o diploma graças aos auxílios enriquecerá seu meio profissional com seu repertório e por meio de sua representatividade.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1