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A lógica perversa de exploração na indústria têxtil

Fernando Caulyt
19 de dezembro de 2017

Como o padrão de preços baixos oferecidos por países asiáticos à custa da exploração de mão de obra tem impacto também sobre as condições de trabalho no Brasil.

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Fábrica em Bangladesh: condições de trabalho no setor são especialmente graves
Fábrica em Bangladesh: condições de trabalho no setor são especialmente gravesFoto: DW/C. Meyer

O Brasil tem a quarta maior indústria de confecção do mundo e a quinta maior têxtil. Para manter a competitividade, porém, as empresas do setor enfrentam as pressões da globalização e muitas vezes também a concorrência desleal de alguns países asiáticos, o que acaba tendo um efeito perverso sobre as condições de trabalho no Brasil.

"Em mais de 16 anos como empresário do setor têxtil, visitei diversas vezes países asiáticos para fazer prospecção de novos fornecedores", afirma Matheus Fagundes, presidente da marca de lingerie 2Rios. "Em várias empresas, pude ver, com meus próprios olhos, lugares deploráveis e funcionários trabalhando em regime análogo à escravidão e em condições distantes do padrão digno de trabalho para um ser humano."

A experiência de Fagundes na Ásia ilustra um problema que afeta cada vez mais a indústria têxtil e de confecções brasileira: por submeterem seus trabalhadores a condições degradantes, algumas empresas de países como China, Camboja, Bangladesh, Indonésia e Vietnã conseguem oferecer produtos até 50% mais baratos do que similares fabricados no Brasil.

Segundo Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), esses países muitas vezes não seguem as regras da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ou, quando seguem, os governos pecam na fiscalização.

"Se os produtos são globais, os modos de fabricação e o respeito às leis trabalhistas também deveriam ser", observa Pimentel.

O estudo Global Slavery Index de 2016, da Fundação Walk Free, aponta que mais de 45 milhões de pessoas vivem sob alguma forma de escravidão moderna no mundo. A organização fez um ranking de 167 países levando em conta a porcentagem estimada da população vivendo sob escravidão: Camboja ficou na 3ª posição (1,65%); Bangladesh, na 10ª (0,95%); Indonésia, na 39ª (0,28%); China, na 40ª (0,25%); e, Vietnã, na 47ª (0,15%).

Problemas internos

O Brasil aparece na 51ª posição (0,08%) do ranking, e o setor de indústria têxtil e de confecções é um dos responsáveis pela estatística. Casos graves de exploração de trabalhadores foram registrados inclusive em grandes marcas de moda, como M. Officer, Zara e Renner.

Renato Bignami, fundador e integrante do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP), explica que o sistema de produção neste setor é extremamente fragmentado e transforma os domicílios em células produtivas – o que dificulta a fiscalização das autoridades.

Em 2013, uma ação resgatou duas pessoas produzindo peças da M.Officer em condições análogas à escravidão em uma confecção de São Paulo. Em 8 de novembro, a empresa foi condenada em segunda instância e pode ser proibida de vender produtos no estado de São Paulo por dez anos.

Por meio de sua assessoria, a M. Officer disse que vai recorrer da decisão e afirmou que repudia qualquer prática de trabalho escravo, está atenta às questões que envolvem a cadeia de fornecimento do setor têxtil e que investiu em processos para aprimorar os padrões de conduta ética e responsável de todos os seus fornecedores.

Em outro caso, as autoridades flagraram, em 2011, 52 trabalhadores produzindo para gigante da moda Zara. Entre os problemas encontrados estavam contratações ilegais, jornadas de até 16 horas por dia e proibição de deixar o local de trabalho. Em 8 de Novembro, a Justiça também sentenciou que o trabalho análogo à escravidão visto na cadeia produtiva da Zara é de responsabilidade da empresa.

"A situação de um fornecedor de 2011 não reflete o sistema de monitoramento da cadeia de produção da Zara no Brasil", disse a Zara em reposta à DW. A empresa afirmou que vai recorrer da decisão da Justiça e disse que um de seus fornecedores desviou sua produção de forma irregular para duas oficinas que descumpriam as leis trabalhistas.

A SRTE-SP registrou também, em 2014, um caso envolvendo a Renner, em que 37 costureiros bolivianos viviam sob condições degradantes em alojamentos, cumpriam jornadas exaustivas de trabalho e estavam submetidos à escravidão em uma oficina terceirizada na periferia de São Paulo.

A Renner afirmou, por meio de nota, que não compactua e repudia a utilização de mão de obra irregular e que todos os fornecedores assinam contratos em que se comprometem a cumprir a legislação trabalhista vigente.

De acordo com Bignami, a nova legislação trabalhista dificultou a identificação de situações de ilegalidade, pois a maioria dos casos de submissão ao trabalho escravo envolve a terceirização, que a reforma deixou mais livre e sem atribuir responsabilidade aos diversos elos da cadeia produtiva.

A recessão no Brasil também agravou a situação. "O número de denúncias [de situação análoga à escravidão] tem aumentado. Temos a percepção de um cenário um pouco pior por conta da crise econômica", diz Bignami.

Nas mãos do consumidor? 

Quando empresas agem com falta de ética, é comum confiar no consumidor para punir e pressionar por uma mudança de atitude. Mas quem compra uma peça de roupa não tem como verificar se ela foi produzida com trabalho escravo. Por isso, Pimentel e Fagundes acreditam que a responsabilidade final não deve ser apenas do consumidor, mas também dos empresários brasileiros, que deveriam acompanhar de perto seus fornecedores, nacionais e estrangeiros.

"Todos os elos da cadeia devem participar [da fiscalização]. Todos nós temos responsabilidade, somos todos parte do problema e devemos ser parte da solução", ressalta Pimentel. "Os grandes varejistas têm um processo de certificação e acompanhamento de seus fornecedores nacionais. Nós advogamos que esse mesmo processo valha para as compras feitas no exterior."

Já Bignami, do SRTE-SP, acredita que o certo é a responsabilização jurídica das empresas que contratam os fornecedores, isto é, as proprietárias das grandes marcas. "Pregamos que apenas a responsabilidade jurídica de todos os elos, mas principalmente do poder economicamente relevante, será capaz de reduzir a violência no ambiente de trabalho e as violações de direitos humanos", completa.

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