A limpeza do plástico nos oceanos pode fazer a diferença?
15 de novembro de 2023Pouco abaixo da superfície do maior oceano do mundo, escovas de dente, brinquedos, redes de pesca e embalagens de alimentos coalescem em um caldo grosso de dejetos à base de petróleo e gás, conhecido como a Grande Mancha de Lixo do Pacífico.
Ao menos 14 milhões de toneladas de plástico chegam ao oceano todos os anos, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), sendo ingerido por animais, entrando na cadeia alimentar e danificando ecossistemas marinhos.
Mesmo com o volume fenomenal, a ONG The Ocean Cleanup acredita ser capaz de lidar com a maior parte da bagunça, arrastando gigantescas redes em formato de U através dos locais onde o lixo se acumula e ao colocar barreiras flutuantes capazes de interceptar o lixo em cerca de mil rios poluídos.
A The Ocean Cleanup diz ter removido desde o início da década 7,5 milhões de toneladas de plástico. Se tiver recursos suficientes, a ONG afirma poder remover 90% do plástico flutuante na superfície do oceano.
A organização, que recebeu financiamentos de corporações associadas à poluição do plástico como a Coca-Cola e a produtora de polímeros Sabic, pertence à petrolífera Saudi-Aramco, vem sendo criticada por ajudar essas empresas a realizar o chamado greenwashing – uma "lavagem verde" que permite a omissão de danos ou dos impactos das atividades dessas empresas no meio ambiente.
Vale a pena?
As ONGs Ocenacare, na Suíça, e a Agência de Investigação Ambiental (EIA, na sigla em inglês), sediada no Reino Unido, avaliam as tecnologias de limpeza dos oceanos como uma distração do objetivo principal de impedir o fluxo do lixo plástico mal gerido.
"É como colocar um curativo em uma perna quebrada", diz Christina Dixon, chefe da campanha para os oceanos da EIA. "Soa bom no papel, mas não enfrenta de verdade o real grande impacto da poluição de plástico no meio ambiente."
Ela afirma que o foco nas custosas operações de limpeza estaria direcionando recursos para uma finalidade equivocada, e que essas tecnologias geram emissões e podem inadvertidamente danificar a vida marinha durante o processo de coleta do plástico, embora esse argumento seja contestado.
Dixon conversou com a DW a partir de Nairóbi, no Quênia, onde representantes internacionais se reúnem até o próximo domingo (19/11) para tentar elaborar um ambicioso tratado global para pôr fim à poluição do plástico nos moldes do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.
Enquanto empresas que produzem combustíveis fósseis como a ExxonMobil e a Saudi Aramco investem pesadamente na produção de plástico para se contrapor à transição para energias renováveis, o lixo plástico mal gerido deverá triplicar até 2060 em todo o mundo, segundo uma previsão da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OECD, na sigla em inglês).
Se não houver ações efetivas, é possível que haja, em peso, mais plástico do que peixes nos oceanos até 2050.
"Se a banheira enche e transborda, é possível tentar bombear a água para fora, mas o que deve ser feito de verdade é ir direto para a fonte do problema e fechar a torneira", explica Marcus Gover, diretor da iniciativa de plásticos da ONG Minderoo Foundation.
Como deter a maré de plástico
Gover diz que os negociadores em Nairóbi têm uma gama de opções a sua frente para lidar com a poluição do plástico, semelhante ao cardápio de um restaurante. "Se fizermos as escolhas certas, poderemos criar uma refeição que seja realmente boa para nós. Mas, se escolhermos as opções erradas e partirmos para o menu fast food, isso não vai ser saudável", compara Gover.
Simulações de potenciais acordos sugerem que um tratado robusto pode ser capaz de reduzir o lixo plástico em 95% até 2040, em comparação aos métodos usuais.
Esse acordo exige regras juridicamente obrigatórias para a redução da produção de plástico, eliminar plásticos problemáticos e evitáveis, expandir a reciclagem e melhorar os métodos de descarte.
O ex-consultor do governo britânico Felix Cornehl, envolvido nas simulações, avalia que será necessário aumentar em sete vezes os índices globais de reciclagem, o que ainda deixaria margem para outras ações ainda mais robustas.
"Se tivermos recurso limitados disponíveis, interromper esse fluxo desde o início e seguir rio acima – reduzir a pouco desnecessária de plástico e manter o plástico já produzido no sistema pelo maior tempo possível – seria menos dispendioso, mas acho que ainda há lugar para ajudar as comunidades a lidarem com o lixo que já está no sistema", afirmou Cornehl.
Interesses em jogo
Mas, lidar com essa produção e seguir rio acima pode ser algo complicado, em razão da influência dos produtores de plástico nas negociações, segundo afirma um grupo de cientistas que assessora os representantes em Nairóbi.
Bethanie Carney Almroth, professora de Ecotoxicologia da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, explica que o lobby da indústria do plástico trabalha para retardar os avanços na redução da produção, semeando dúvidas com métodos semelhantes aos utilizados pela indústria tabagista para impedir regulamentações.
Segundo Almroth, todas as evidências científicas demonstram que a imposição de limites à produção de plástico é essencial para pôr fim à poluição. Os lobistas, porém, utilizam tecnologias como a limpeza dos oceanos e a reciclagem química para desvirem o foco principal.
"É um meio encontrado pelas empresas para, de certa forma, comprarem sua liberdade", disse a especialista. "É como um passe livre para sair da prisão." Mas as pessoas que fazem o trabalho sujo de limpeza não enxergam a situação como uma escolha binária.
"Precisamos fazer algo em relação à produção, precisamos mudar nosso comportamento no que diz espeito ao uso do plástico, mas também precisamos remover o que já está lá fora", afirmou o diretor de comunicações da Ocean Cleanup, Joost Dubois.
"A limpeza é apenas um elemento entre os que poderão levar ao fim da poluição por plástico. Nós secamos o chão, mas alguém terá de trabalhar para fechar a torneira."