A nova catástrofe haitiana
11 de outubro de 2016"Por onde o furacão passou, o cenário é desolador", afirma Alexander Mauz sobre a situação no Haiti após a passagem do ciclone Matthew. O coordenador de projetos para a América Central da Federação de Trabalhadores Samaritanos relata edifícios destruídos ou danificados e árvores arrancadas. Estradas quase não são mais transitáveis. Não há eletricidade nem água corrente.
Desde a última sexta-feira (07/10), Mauz se encontra na região particularmente afetada de Les Cayes, no sudoeste do país. Com ventos de até 230 km/h, o furacão atingiu a ilha caribenha na última terça-feira. Desde então, Les Cayes está isolada do resto do Haiti. De acordo com o Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), 90% das casas na região costeira ao Sul estão inabitáveis.
Somente agora, uma semana depois, a dimensão da destruição se torna visível. As organizações de ajuda humanitária só conseguem chegar gradualmente a outras partes da região.
"Muitos haitianos estão em pânico. A tensão aumenta a cada dia. Eles têm medo de cólera e outras epidemias", diz Mauz. Segundo ele, na realidade, os habitantes da ilha estão acostumados com tais furacões. Mas, agora, a coragem está se transformando em desespero.
O Fundo da ONU para a Infância (Unicef) alertou para a propagação de epidemias, já que dezenas de milhares de pessoas não têm acesso à água potável. Vários casos de cólera já foram relatados em todo o país. Principalmente a situação de segurança está tensa.
"Quando as doações são repartidas, a situação pode evoluir muito rapidamente para violência. O governo haitiano aconselha que a ajuda seja distribuída somente em bases da polícia", afirma Mauz.
Segundo o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), quase metade dos 11 milhões de haitianos foram afetados pela devastação. De acordo com a Defesa Civil, ao menos 336 pessoas morreram.
A agência de notícias Reuters reporta cerca de mil mortes. As equipes de resgate no local esperam que o número de vítimas suba ainda mais. O país ainda não se recuperou do terremoto de seis anos atrás. Em 2010, o abalo sísmico matou mais de 220 mil pessoas. Cerca de 60 mil ainda vivem em acampamentos, e as acomodações de muitos foram agora destruídas pelo furacão Matthew.
"Foi tudo em vão"
A comunidade internacional injetou bilhões de ajuda na nação caribenha. Durante anos, o país foi criticado por ter desperdiçado 90% do dinheiro destinado à reconstrução – para custos de pessoal, aviões e aparato administrativo. Os trabalhos de reconstrução foram administrados pelas Nações Unidas e por diversas organizações de ajuda humanitária.
Uma dessas organizações é a Caritas Internacional. Nos últimos três anos, ela vem implementando um projeto para prevenção de catástrofes. Antigamente, além da necessária ajuda emergencial ao Haiti, o programa também fez um trabalho de prevenção a longo prazo das consequências de tais catástrofes.
No contexto desse programa, também foram erguidos edifícios construídos para resistir a furacões e terremotos, explica Kathrin Göb, coordenadora da Caritas para o Haiti.
As pessoas deveriam ser levadas em segurança para esses prédios. Embora eles ainda não estivessem prontos, 500 pessoas procuraram ali abrigo, podendo sobreviver ao furacão, conta Göb. Segundo ela, a Caritas também treinou os chamados comitês de proteção contra catástrofes em várias comunidades, de forma que possam trabalhar junto às autoridades de Defesa Civil e definir rotas de evacuação.
"Somente agora pudemos saber até que ponto essas medidas funcionaram e se fomos capazes de reduzir os danos", diz Göb. "Nós seguimos o princípio da autoajuda, realizamos um trabalho de longo prazo com nossos parceiros", prossegue a coordenadora. "Mas quando ocorre um furacão dessa magnitude, tudo é em vão. Agora precisamos reconstruir tudo rapidamente. Acredito que vamos plantar novas árvores e espero que elas sobrevivam à próxima tempestade."
Catástrofes, corrupção e violência
As organizações de ajuda humanitária concordam que muito tem dado errado após o terremoto de 2010. A administração não funciona bem, não existe um aparato de segurança eficiente e a corrupção é generalizada. Segundo Kathrin Göb, depois do terremoto, todas as organizações de ajuda humanitária tiveram que lidar com esses problemas.
Na época, Alexander Mauz também notou que as ONGs trabalhavam descoordenadamente. "A situação agora não é tão devastadora quanto depois do terremoto. Atualmente, o número de ONGs é muito menor, o que facilita a coordenação entre a ONU e a sociedade civil. Isso funciona realmente muito bem", avalia Mauz, acrescentando que, por outro lado, a cooperação com o governo é muito difícil, senão caótica.
No Haiti, a crise política se tornou um permanente estado de coisas. O país se encontra paralisado devido a uma disputa entre o governo e a oposição. O resultado das últimas eleições foi anulado devido a acusações de fraude. Em fevereiro último, o ex-chefe de governo Michel Martelly deixou o cargo sem um sucessor eleito. Desde então, o país é governado pelo presidente interino Jocelerme Privert.
Na realidade, um novo presidente deveria ter sido eleito no último domingo. As autoridades cancelaram as eleições devido ao furacão Matthew. "A catástrofe é utilizada para se fazer campanha eleitoral", destaca Mauz. "Eu não tenho a impressão de que o governo se importa, atualmente, com o bem-estar da população. Nisso, nada mudou nos últimos cinco ou seis anos."