A revolução encalhada de novembro de 1918 na Alemanha
7 de novembro de 2018É hora de acabar com o esquecimento: não com um app didático ou no museu, mas no estilo de um século atrás. "Trazer quatro bandeiras vermelhas e oito cartazes, sendo quatro com a inscrição 'Abaixo a guerra!' e quatro com 'Eleições livres!', além de 120 braçadeiras vermelhas" é o que consta da lista de material para a ação "A revolução avança", uma onda de manifestações organizada pela associação Weimarer Republik, que, no início de novembro de 2018, atravessa a Alemanha até os principais palcos da revolta de 1918.
Chega-se de trem aos eventos programados nas ruas e praças das antigas cidades revolucionárias – da mesma forma como, na época, a ferrovia ajudou a espalhar a revolução por todo o país, dentro de poucos dias. O trajeto inclui 47 estações ferroviárias e, em cada parada, está previsto um "flash mob de 15 minutos com atores e figurantes". Segundo o organizador, as ações "darão uma ideia de como se lutou pela democracia, cem anos atrás".
Mesmo hoje em dia é difícil determinar quando "a" revolução começou exatamente. No fim de outubro de 1918, o comando da Marinha Imperial queria enviar a frota de alto-mar para uma última batalha, uma "derrota heroica". Mas a guerra já estava perdida. Em fins de setembro, o supremo comando do Exército, os generais Erich Ludendorff e Paul Hindenburg, comunicara a Berlim que a Alemanha não conseguiria mais vencer a guerra e deveria solicitar um armistício aos Aliados.
Os marinheiros em Kiel e Wilhelmshaven se recusaram a cumprir as ordens de partir. O motim virou uma insurreição, à qual se juntaram os soldados do Exército e logo depois os operários. Já em 3 de novembro, estes se organizaram em "conselhos", formulando claras exigências políticas: a abdicação do imperador Guilherme 2º e o término imediato da guerra.
Acontecimentos se precipitam
A chama revolucionária não tardou a inflamar outras guarnições, e conselhos de operários e soldados foram criados também em Hamburgo, Bremen e Lübeck. Em 7 de novembro, o último rei da dinastia Wittelsbach abdicou em Munique, em seguida os monarcas começaram a cair por todo o império. Na época, o Império Alemão era um Estado federal, composto por 26 membros federados, dos quais 22 reinos, ducados ou principados.
Quando, em 9 de novembro, a revolução chegou a Berlim, os acontecimentos se precipitaram na capital do Império. O primeiro-ministro Max von Baden, chefe do primeiro governo de transição, recém-instituído, anunciou a abdicação do imperador Guilherme 2º. Este porém se encontrava no quartel-general militar em Spa, Bélgica, e não declarara ainda sua renúncia ao trono – ato que acabou porém pronunciando na mesma tarde, sob pressão dos acontecimentos.
Às 14h, de uma janela do parlamento, o Reichstag, o deputado social-democrata Philipp Scheidemann proclamou a República: "Vencemos em todas as frentes, o velho não existe mais." Com isso, ele se antecipou em mais de duas horas ao socialista de esquerda Karl Liebknecht, que, por sua vez, contando com o apoio dos "chefes revolucionários" do operariado berlinense, declarou a "República Socialista da Alemanha" diante do Palácio da Cidade de Berlim.
Devido à questão dos créditos de guerra, havia um racha na ala esquerdista da Alemanha: de um lado estava o Partido Social-Democrata (SPD), do outro, o Partido Social-Democrata Independente (USPD). Essa divisão ficou ainda mais evidente em 9 de novembro. Enquanto o SPD majoritário, liderado por Friedrich Ebert e Philipp Scheidemann, queria uma democracia parlamentar e acreditava não conseguir governar a Alemanha sem as antigas elites do poder, muitos dos "independentes" decidiram seguir um outro caminho.
Esquerda profundamente dividida
Sobretudo a Liga Espartaquista, fundada por Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, via na União Soviética e na Revolução Russa de 1917 um modelo para a Alemanha. "Todo o poder aos conselhos" tornou-se logo palavra de ordem do movimento. Pouco antes do fim de 1918, os espartaquistas se separaram, e de suas fileiras se formou o Partido Comunista Alemão (KPD).
"Vemos a Alemanha como uma mãe que gera uma revolução, e se os alemães não nos obrigarem, não levantaremos armas contra ela antes de a criança nascer", escreveu o jornalista Karl Radek, conselheiro de Lenin, vindo especialmente da Rússia. A Alemanha contava então três partidos de esquerda com orientação marxista: SPD, USPD e KPD.
Em 6 de dezembro, começaram em Berlim as primeiras lutas de barricada fortes entre revolucionários de extrema esquerda e soldados, causando as primeiras mortes. Os motins se ampliaram num "Levante Espartaquista", uma verdadeira guerra civil, travada também em outras cidades. Estima-se em cerca de 5 mil os mortos nos primeiros meses de 1919. Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, porta-vozes da revolução, foram brutalmente assassinados por paramilitares de direita.
O Conselho Central de Operários e Soldados de Berlim se manifestara com grande maioria a favor de eleições gerais para uma Assembleia Nacional. O governo provisório, liderado pelos social-democratas majoritários, formou uma aliança com as Forças Armadas para manter a ordem e combater os ataques da esquerda revolucionária.
O fato de um ministro social-democrata da Defesa mobilizar as Forças Armadas e a milícia paramilitar de extrema direita contra o operariado de esquerda envenenou durante décadas a relação dos socialistas e comunistas com a social-democracia na Alemanha.
Com a derrota do Levante Espartaquista, os alemães elegeram uma Assembleia Constituinte em 19 de janeiro. Saíram vencedores das eleições o SPD (37,9%), o católico Partido do Centro (19,7%) e o Partido Democrático Alemão (DDP), liberal de esquerda (18,5%). As três legendas formaram uma coalizão. As forças radicais antirrepublicanas da direita e as revolucionárias de esquerda ficaram claramente em minoria na Assembleia Nacional.
Briga de interpretação sobre a República de Weimar
A Assembleia Nacional não se reuniu em meio à turbulência política de Berlim, optando pela tranquilidade da cidade de Weimar. O local do congresso daria nome à república ali fundada. "O governo provisório deve seu mandato à revolução e o colocará nas mãos da Assembleia Nacional", disse o presidente do Reich, Friedrich Ebert, ao inaugurar a sessão constituinte.
No entanto, a República de Weimar seria mais tarde tachada de "democracia sem democratas". A essa altura já estava claro que a república não conseguira suportar as pressões vindas da esquerda e da direita, em meio a uma crise econômica mundial.
Muito já se refletiu na Alemanha sobre até que ponto os próprios acontecimentos revolucionários teriam infectado o novo Estado com o vírus do fracasso: a divisão do movimento trabalhista, a pressão externa das potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial, a crise social que, após quatro anos de fome e moeda destruída, virou miséria em massa.
Historiadores se referem aos acontecimentos de novembro de 1918 como uma "revolução encalhada": proprietários de terra e industriais mantiveram seus privilégios e influência política, o funcionalismo público conservador manteve seus cargos, e as Forças Armadas, com seu corpo de oficiais nacionalistas, também permaneceu intocada.
Mesmo que essa análise sobre o fracasso da república proceda, a revolução conseguiu superar "um persistente sistema autoritário e representou um passo importante da Alemanha no caminho da democracia". Essa foi a conclusão dos iniciadores da associação Weimarer Republik, cuja intenção é impedir que a revolução de novembro seja esquecida.
Mas, na memória coletiva dos alemães, a fama dessa revolução parece ter sido destruída, pois a república a que ela deu origem ficou politicamente tão oca, dentro de poucos anos, que acabou desmoronando em 1933.