Não foi um bom começo de ano para a economia brasileira. Após 113 anos de presença no Brasil, a Ford anunciou o fechamento de suas três fábricas no país. Isso afeta cerca de 5 mil funcionários, mas também toda uma indústria de fornecedores e distribuidores. O anúncio causou uma forte reação: porque a Ford não é uma montadora qualquer no Brasil.
Ela foi uma das primeiras empresas estrangeiras a produzir carros modernos no Brasil, os sonhos de consumo de várias gerações. Durante anos, Ford, GM, Volkswagen e, mais tarde, a Fiat, foram as que mais venderam veículos no Brasil. O país sempre foi estrategicamente importante para a montadora de Detroit: em 1920, Henry Ford chegou a querer produzir a borracha para pneus em Fordlândia, na Amazônia – e fracassou.
Mas agora a Ford está desistindo de um mercado no qual ainda tinha sucesso com seus modelos compactos: cerca de 7% de participação no sexto maior mercado mundial de carros – era de se pensar que uma fabricante global não fosse desistir disso voluntariamente. Então por que a Ford está fazendo isso?
Na política brasileira, as atribuições de culpa começaram imediatamente: enquanto o presidente do Congresso, Rodrigo Maia, viu a falta de credibilidade da política econômica do governo como o motivo da retirada, o presidente Jair Bolsonaro explicou que a Ford esperava por subsídios que não existirão sob seu governo. Entre a equipe econômica de Bolsonaro circulou que a decisão teve mais a ver com a estratégia global da Ford do que com o Brasil.
Os argumentos são todos válidos. E esse é precisamente o problema.
Por exemplo, a Ford anunciou há dois anos que não iria lançar uma nova linha de modelos para seus carros compactos. A Ford também fechará seis fábricas na Europa até o final do ano e dispensará 12 mil trabalhadores. A Ford quer focar principalmente em veículos elétricos e em utilitários leves.
Isso também explica sua colaboração global com a Volkswagen. A empresa de Wolfsburg fornecerá as plataformas nas quais a Ford montará seus novos modelos elétricos. Em compensação, a Ford fabricará pick-ups como a Ranger, que continuará a montar na Argentina e, em troca, a Volkswagen deve deixar de produzir seu Amarok no país em breve.
Ao mesmo tempo, a saída da Ford do Brasil não é difícil, pois o mercado está em baixa e parece que não vai melhorar em breve. Fabricantes estão operando com prejuízo desde 2014. Dos cinco milhões de veículos que produziram, menos da metade foi vendida em 2020. Enquanto Volkswagen, Toyota, GM, Renault e acima de tudo a FiatChrysler (que em breve se fundirá com a PSA Peugeut Citroen) estão investindo pesadamente em novos modelos no país, a Ford suspendeu seus investimentos.
O fato de as montadoras terem permanecido no Brasil apesar da crise se deveu principalmente a programas de subsídios como o Innovar-Auto e, depois, o Rota 2030. Os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer compensaram os baixos rendimentos com incentivos fiscais. Em troca, as empresas prometeram inovações tecnológicas – mas isso quase não foi controlado.
O benefício econômico desses programas é controverso: os subsídios custam muito dinheiro ao Estado brasileiro, que tem que compensar com impostos mais altos. Assim, os brasileiros estão pagando muito dinheiro por carros ultrapassados.
Por outro lado, os programas têm ajudado a indústria a continuar proporcionando empregos bem pagos a trabalhadores industriais, que já eram raros e estão se tornando cada vez mais raros no Brasil. Eles são a razão de ainda existirem hoje cerca de 30 fabricantes – de carros a caminhões e tratores – produzindo no país. Mas o número vai encolher mais: a Mercedes anunciou no final do ano passado que não produziria mais veículos de passeio no Brasil, e a Audi também está considerando fazer isso.
É principalmente a falta de reformas no governo Bolsonaro que tem frustrado as esperanças do setor de uma melhoria no clima de investimentos em breve.
A contração de um dos setores-chave da indústria é dramática: o setor automotivo está atualmente passando por uma das maiores transformações desde a invenção do motor de combustão interna. Envolve a eletrificação e a digitalização de veículos, o uso de big data, a direção autônoma. Não há lugar previsto para o Brasil na nova divisão de trabalho do setor mundo afora. Operar no Brasil é muito caro, sua economia é muito isolada das cadeias de valor globais e, em última análise, o poder de compra dos brasileiros é muito baixo.
Esta perda de importância do Brasil não se aplica apenas ao setor automotivo, mas ameaça toda a indústria. Talvez a saída da Ford vai se revelar um mau presságio.
--
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil