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A sedução fotográfica de Baudrillard

Paulo Chagas23 de dezembro de 2003

Cerca de 100 fotografias de Jean Baudrillard estão sendo expostas na Kunsthalle Fridericianum de Kassel. É a maior mostra deste polêmico sociólogo e filósofo francês, autor de vários livros sobre o poder das imagens.

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Zeebrugge 1992, foto de Jean BaudrillardFoto: Kunsthalle Fridericianum

"Fazer uma imagem de um objeto significa extrair todas as suas dimensões, sucessivamente: o peso, a profundidade, o cheiro, o espaço, o tempo, a continuidade e obviamente o sentido".

Esta reflexão de Baudrillard, que pode ser lida no catálogo da exposição, sintetiza a natureza do seu trabalho fotográfico. Suas fotos nunca são narrativas: elas mostram objetos, às vezes pessoas, mas são apenas imagens de um instante, sem história ou significado.

A atividade fotográfica de Baudrillard começou em meados da década de 80 e intensificou-se a partir do início dos anos 90, sobretudo durante suas viagens pelo mundo. Suas fotos têm um pouco de tudo: paisagens, cidades, objetos, e imagens que evocam naturezas mortas e interiores.

Algumas fotos caracterizam-se por detalhes extremos que desassociam as imagens dos seus objetos. É como se o fotógrafo quisesse penetrar na profundeza da estrutura a fim de mostrar não o objeto em si, mas aquilo que ele esconde.

A fotografia resiste ao desaparecimento

A fotografia - enquanto mídia técnica - tem a possibilidade de fixar o desaparecimento das coisas, a ausência do mundo. É nesse sentido que a atividade fotográfica de Baudrillard pode ser interpretada como um ato de resistência.

Em 2000, quando suas fotos foram expostas em Paris, Baudrillard explicava o que significava para ele esta atitude de resistência:

"Resistir ao ruído, à palavra, ao rumor pelo silêncio da foto - resistir ao movimento, ao fluxo e à aceleração pela imobilidade da foto - resistir ao desencadeamento da comunicação e informação pelo segredo da foto - resistir ao imperativo moral do sentido pelo silêncio da significação - resistir acima de tudo à enxurrada automática das imagens, à sua constante sucessão, ou ao que se perdeu."

A enxurrada de imagens: Matrix como exemplo

Nascido em 1929 em Reims, França, Baudrillard foi professor na Universidade de Nanterre, Paris, onde fez doutorado em 1968 com o livro O Sistema dos Objetos, dedicado ao estudo das relações entre a produção de bens materiais e o consumo.

Baudrillard não se considera nem sociólogo nem filósofo, mas simplesmente teórico. Seus inúmeros livros e artigos, traduzidos em inúmeros idiomas, abordam temas como a sociedade de consumo, o poder das mídias e o desaparecimento da política. Desenvolveu várias teorias, por exemplo sobre a simulação, a sedução, a fatalidade e o mal.

O pensamento de Baudrillard se aventura, sem medo, nos mais diversos temas da realidade. Na sua recente crítica ao filme Matrix discute o papel da ilusão na nossa cultura.

Matrix

, segundo Baudrillard, reflete a fascinação exercida pelo universo das imagens digitais e não permite ao espectador, em nenhum momento, ver este universo com ironia. Matrix fornece a imagem de uma potência monopolista, um objeto extravagante que abole a distinção entre o real e o imaginário: um universo ao mesmo tempo cândido e perverso, onde não existe nem interior nem exterior.

Terrorismo como metáfora suicida da potência ocidental

O sistema social em que vivemos, diz Baudrillard, tem a capacidade de integrar em si mesmo a sua própria negação, através dos produtos do espetáculo. Por isso não existe mais nenhum antagonismo, nenhum ponto que represente uma alternativa. Tudo é absorvido pelo sistema, incorporado aos objetos industriais e mostrado de forma fascinante.

Mesmo o terrorismo, segundo Baudrillard, não representa um poder alternativo: ele é apenas uma metáfora da capacidade do poder ocidental de se retornar de forma quase suicida sobre si mesmo.

A busca do nada

A exposição das fotos de Jean Baudrillard na Kunsthalle Fridericianum de Kassel, de 14 de dezembro de 2003 a 29 de fevereiro de 2004, é uma oportunidade de penetrar no imaginário visual de um inquieto pensador que, apesar de sua severa crítica à sociedade de consumo, não se define como um niilista ou pessimista.

A fotografia representa para Baudrillard a procura do "punctum", uma expressão definida por Roland Barthes como uma figura do nada, da ausência e da irrealidade. O "punctum" se opõe ao "studium", que é todo o contexto dos sentidos e das referências.

Baudrillard coloca o objeto sobre o objeto, como se as fotos olhassem para o espectador. Ele busca reverter o olhar, busca o desafio e a sedução que, segundo ele, são qualidades indestrutíveis.