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A um mês dos Jogos, Rio vê pressão aumentar

Fernando Caulyt5 de julho de 2016

Enquanto instalações esportivas estão no cronograma, cidade vê seus problemas mais graves de infraestrutura expostos aos olhos internacionais: da segurança pública à poluição de cartões-postais.

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Foto: AP

O Rio de Janeiro entra nesta terça-feira (05/07) em contagem regressiva de 30 dias para o início dos Jogos Olímpicos e vê diversos problemas internos colocarem em risco o potencial de sua imagem. Em vez de impulsionar as belezas e virtudes da cidade, as últimas notícias poderão fazer do megaevento um cartão-postal dos problemas cariocas.

Por um lado, a cidade está quase pronta para receber o evento, com instalações esportivas entregues e obras próximas da conclusão. Por outro, o decreto de calamidade pública, deixando clara a grave crise financeira do estado; os problemas na segurança; os atletas que cancelaram a participação por causa do vírus zika; e promessas que não saíram do papel, como a despoluição da Baía de Guanabara, mancham a imagem da cidade perante turistas e atletas.

“O Rio de Janeiro enfrenta uma tempestade perfeita. Há crises em diversas áreas”, afirma Lamartine DaCosta, pesquisador do Comitê Olímpico Internacional (COI) e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “Mas não existem Jogos sem problemas: eles foram registrados em todos estes eventos nesta fase de gigantismo a partir de Sidney [em 2000], quando passaram a ser monumentais.”

Calamidade pública

Em 17 de junho, a 49 dias para o início do evento, o estado do Rio de Janeiro declarou calamidade pública devido à crise financeira – o governo estadual prevê um déficit de 19 bilhões de reais em 2016. Um dos motivos apresentados pelo governador em exercício, Francisco Dornelles, para optar pela medida é que a crise impediria o estado de honrar os compromissos com os Jogos Olímpicos e Paralímpicos.

“Realmente houve uma nítida chantagem, que é comum em qualquer governo do mundo. Mas, por outro lado, do ponto de vista político, a decisão [de declarar calamidade pública] está correta, pois o prejuízo seria muito maior se a crise prejudicasse os Jogos”, diz DaCosta. “O Rio não é um fato isolado. Nos Jogos de Londres, por exemplo, a Câmara dos Comuns tentou embargar muitas das modificações que foram feitas no final da construção das instalações olímpicas.”

Após análise, o governo federal liberou 2,9 bilhões de reais. Deles, cerca de 800 milhões de reais deverão ser usados para pagar a metade do salário de maio e o integral de junho dos policiais. O governo promete liberar ainda as parcelas atrasadas do Regime Adicional de Serviço (RAS), que paga os homens que trabalham durante as folgas, e ainda a premiação do Sistema de Metas do primeiro semestre de 2015, para os que reduzem a criminalidade.

A crise na segurança pública – como salários atrasados dos policiais civis, militares e bombeiros; e a falta de combustível para veículos e helicópteros das forças de segurança – chegou a gerar diversos protestos de policiais, como uma faixa estendida no setor de desembarque do aeroporto internacional do Galeão com os dizeres “Welcome to hell” (Bem-vindo ao inferno). O estado do Rio vê, ainda, um aumento da criminalidade: houve uma alta de 15,4% no número de homicídios dolosos entre janeiro e abril em comparação ao mesmo período de 2015.

Parque aquático olímpico: a cidade está quase pronta para receber o evento
Parque aquático olímpico: a cidade está quase pronta para receber o eventoFoto: picture-alliance/Rio City Hall/Renato Sette Camara

O Rio terá reforços das Forças Armadas para o período dos Jogos. Porém, segundo a mídia brasileira, serão disponibilizados 4.500 homens – número inferior ao solicitado pelo governo estadual, que era de 5 mil. Representantes do governo federal afirmaram que, com o aporte de 2,9 bilhões de reais, não será necessário deslocar o número pedido pela administração fluminense.

"Vai ter a Força Nacional de Segurança, o Exército, a Marinha. Todos estarão aqui. Acho que eles [governo estadual] fazem um trabalho terrível na segurança, antes e depois dos Jogos. Ainda bem que não serão os responsáveis pela segurança durante os Jogos", afirmou o prefeito Eduardo Paes, em entrevista recente à CNN.

Metrô em cima da linha

Com os recursos federais aplicados na segurança pública, o estado promete fazer um remanejamento de verbas para concluir as obras da linha 4 do metrô, que liga a zona sul da cidade à Barra da Tijuca – bairro com o maior número de competições olímpicas. Com o aporte, a inauguração da linha – que tem 16 quilômetros de extensão e cinco estações – foi adiada para 1º de agosto, a cinco dias do início dos Jogos.

Mas a despoluição da Baía de Guanabara, um dos compromissos assumidos pelo Rio em sua candidatura para os Jogos, não vai sair do papel. A promessa de reduzir em 80% o esgoto e lixo jogados na baía até 2016, local palco das competições de vela, não foi cumprida. Estima-se que menos de 40% do esgoto seja tratado. E, devido ao vírus zika, alguns esportistas – como o golfista australiano Jason Day e o norte-irlandês Rory McIlroy – desistiram de participar da Rio 2016.

Para Kai Michael Kenkel, professor do instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e pesquisador associado do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, quando o então presidente Lula defendeu a candidatura da Rio 2016, o evento tinha tudo para dar certo. Agora, porém, a situação é outra, segundo ele.

“Com uma grave recessão econômica e a crise política, o quadro é o oposto. Mas, se qualquer gestor público olhar para as edições anteriores do evento, ele vai ver que não ficou nada ou pouco de sustentável nas cidades que já foram sede”, afirma Kenkel. “Se tivessem pesquisado, os líderes políticos teriam visto o peso financeiro que um evento como este traz para as finanças públicas.”

Policiais em treinamento no Rio: para Paes, trabalho do governo estadual é terrível nesta área
Policiais em treinamento no Rio: para Paes, trabalho do governo estadual é terrível nesta áreaFoto: Getty Images/AFP/C. Simon

Efeitos da crise

A crise do estado tem diversos motivos, como a queda do preço do barril de petróleo e, consequentemente, na arrecadação de royalties pelo estado; a crise do setor petrolífero brasileiro devido ao escândalo da Petrobras; a diminuição na arrecadação de ICMS, também devido à crise econômica, os gastos com a organização dos Jogos e da Copa do Mundo, além de má gestão das contas públicas.

O estado sofre ainda com a desvalorização do valor do barril de petróleo – que custava na faixa de 105 dólares em julho de 2013 e, atualmente, vale cerca de 50 dólares –, já que o valor dos royalties depende do preço do barril. Assim, o estado arrecadará, em 2016, 3,6 bilhões de reais – em comparação, no ano anterior foram 5,5 bilhões de reais, segundo dados da Secretaria da Fazenda.

Quando o valor do barril de petróleo estava em alta, o estado ampliou seus gastos. As despesas do Rio de Janeiro com o pagamento de servidores ativos, inativos e pensionistas do Poder Executivo explodiu nos últimos anos. Segundo dados da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, em 2010 foram gastos 17,2 bilhões de reais. Já em 2016, o valor será de 37 bilhões de reais – quase o dobro.

Mesmo com tantas notícias ruins antes de atingir a marca de 30 dias para o início dos Jogos, Lamartine DaCosta, da Uerj, diz que, pela tendência histórica, os Jogos deverão ocorrer normalmente. E, ainda, segundo estudos científicos, a um mês dos Jogos a mídia nacional e internacional começa a mudar o tom em relação ao megaevento.

“E a população absorve muito bem isso [os problemas]. É uma característica do povo aderir aos eventos, como nos Jogos Pan-Americanos e a Jornada Mundial da Juventude. E, pela tendência histórica, isso deverá se repetir também na Rio 2016”, prevê DaCosta.