A verdadeira história das cidades fantasmas da China
6 de dezembro de 2016Foi em 2009 que os primeiros relatos chegaram à mídia ocidental: a China, esse milagre econômico, estava erguendo novas cidades numa velocidade vertiginosa por todo seu território – mas ninguém queria viver nelas. As fotos e anedotas aparentavam ser um perfeito exemplo da megalomania chinesa e da iminente bolha imobiliária.
"Mas o retrato completo é mais complicado do que isso, e cada cidade possui uma história diferente", diz, em entrevista à DW, Haishan Wu, cientista de dados da máquina de busca Baidu, onipresente na China.
A obtenção desse retrato completo tem sido um grande desafio nos últimos anos, em que se acumularam os relatos sobre cidades fantasmas. É difícil obter dados sobre o fenômeno, uma vez que o governo chinês não divulga taxas de vacância para edifícios residenciais. Assim, os pesquisadores recorrem a métodos pouco ortodoxos para entender a situação, como contar as luzes nas janelas dos apartamentos ou analisar os dados de satélites.
De cidades a "bairros fantasmas"
Para obter um panorama cientificamente sólido, Wu e sua equipe da Baidu mapearam as 50 maiores cidades fantasmas da China a partir da enorme quantidade de dados de uso do mecanismo de busca, em cooperação com a Universidade de Pequim.
Excluindo as cidades turísticas, que ficam vazias apenas sazonalmente, foram identificadas cerca de 20 cidades fantasmas permanentes. A maioria delas está localizada na periferia de áreas urbanas de segunda e terceira categoria. Na pesquisa, nem todas as cidades abandonadas identificadas foram nomeadas, por se tratar de informações sensíveis.
Cidades de primeira categoria são polos econômicos como Pequim e Xangai, enquanto as de segunda e terceira são, em geral, capitais de província. "Cidades de segunda categoria, como Chengdu ou Harbin, têm áreas residenciais com baixa taxa de ocupação. Na maioria dos casos são áreas adicionais à região urbana existente, o que faz das cidades fantasmas, na verdade, bairros fantasmas", explica Wu.
No lado comercial, mesmo em cidades de segunda categoria de alto perfil, como Xian e Chengdu, os espaços para escritórios vêm apresentando taxas de vacância de 40% a 50%. O diretor da Colliers International China, Carlby Xie, revelou à DW que "tanto os investidores como o governo se preocupam com a lentidão com que os imóveis estão sendo vendidos nesses locais".
Urbanização controlada pelo Estado
Segundo Xie, "a ideia original dessas cidades-satélites era diminuir a pressão populacional nos antigos centros urbanos". Com uma rapidez sem precedentes, apartamentos residenciais e espaços comerciais foram construídos em torno de polos urbanos ou perto de locais destinados a se tornar centros maiores. A China é frequentemente citada por ter usado em apenas três anos a quantidade de concreto que os EUA consumiram em todo o século 20.
"Foi e ainda é um experimento gigantesco e sem igual", comentou o urbanista e especialista em cidades chinesas Eduard Kögel em entrevista à DW. Até 2020, o governo chinês pretende transferir 100 milhões de habitantes das áreas rurais para as urbanas. Para isso, "são erguidas cidades e extensões, baseadas puramente na especulação, não na demanda direta": "Constroem-se enormes conjuntos, supondo-se que o futuro crescimento e prosperidade de alguma forma preencherão o espaço."
Por vezes essa expectativa tem se provado realista. Zhengdong, novo bairro da capital provincial de Zhengzhou, foi muitas vezes citado como uma das maiores cidades fantasmas chinesas, alojando anéis de arranha-céus vazios e abrangendo uma espetacular área de 150 quilômetros quadrados.
Agora, os dados obtidos pelo Baidu sugerem que Zhengdong está lentamente se enchendo de moradores, relata Wu. "Há cada vez mais jovens trabalhando nesse bairro de Zhengzhou, pois a infraestrutura se tornou melhor do que na parte antiga da cidade."
Em outros lugares, contudo, não está claro qual será o destino desses espaços ainda desocupados. "Em cidades de terceira, quarta ou quinta categoria, registramos taxas de ocupação muito baixas. Isso decorre de um desenvolvimento excessivamente otimista num momento de desaceleração da economia, especialmente na indústria terciária", explica Xie.
Há exemplos disso por todo o país, mas as localidades que atraíram a maior atenção da mídia foram os pastiches de cidades europeias, como Tianducheng. Essa versão chinesa de Paris, contando até com uma réplica da Torre Eiffel, foi construída como subúrbio da capital provincial de Hangzhou. Anos após a conclusão, Tianducheng permanece em grande parte desocupada.
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Falta de infraestrutura e crescimento
Segundo o planejador urbano Kögel, "outra razão para o boom da construção é que arrendar terrenos para os investidores é fator crucial de receita para as autoridades locais, que muitas vezes não possuem recursos".
Isso resulta numa onda míope de investidores construindo em locais onde as autoridades não têm verbas suficiente para fornecer a infraestrutura, redundando em cidades fantasmas de localização inconveniente.
E não se pode deixar de citar Ordos, a cidade fantasma mais famosa da China, localizada na região autônoma da Mongólia Interior, como anexo de Kangbashi, com a função de abrigar 1 milhão de moradores.
O novo bairro foi erguido com base no pressuposto do crescimento contínuo, só que dessa vez apostando quase inteiramente dos recursos naturais. Com a queda da demanda da principal fonte de renda, o carvão, e a falta de empregos sustentáveis, Ordos ainda está esperando por seus moradores.
As pesquisas recentes da equipe do Baidu dão razão aos relatos da mídia: muito poucos cidadãos vivem e trabalham em Kangbashi. "Mesmo dentro da parte antiga de Ordos, notamos a mão de obra minguar", aponta Wu. E Kögel completa: "Não é muito provável que, no futuro, grandes massas humanas venham a se mudar para o novo distrito de Kangbashi. Ela ainda é uma verdadeira cidade fantasma."