A violência como parte da rotina de escolas do Rio
19 de abril de 2017As aulas ainda não foram retomadas na escola municipal onde a menina Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, foi morta por uma bala perdida, na favela de Acari. Poderia ser uma exceção diante da tragédia do assassinato da adolescente dentro do colégio onde estudava, mas hoje, no Rio de Janeiro, o fechamento de escolas é comum em meio à violência nas comunidades mais pobres.
Sem a presença do estado e diante dos enfrentamentos cada vez mais frequentes entre policiais e traficantes, a solução, muitas vezes, tem sido simplesmente fechar as portas das escolas e deixar os alunos em casa. O secretário municipal de Educação, Esporte e Lazer, Cesar Benjamin, reconheceu a situação anômala vivida na cidade em postagem no Facebook, logo após a morte de Maria Eduarda.
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"Infelizmente, essa tragédia não foi um fato isolado. Somente ontem, sexta-feira, 31 de março [um dia depois da morte de Maria Eduarda], a violência provocou o fechamento de 25 escolas em diversos bairros e comunidades, deixando 6.227 alunos sem aulas", escreveu o secretário.
"Três outras escolas abriram, mas nenhum aluno compareceu por falta de segurança nas imediações de cada uma delas. Essa situação tem se repetido todos os dias", prosseguiu.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, em 157 dias dos 200 do ano letivo 2016, pelo menos uma escola – de um total de 1.537 da rede municipal – ficou impedida de funcionar por estar em área conflagrada. Mais de 115 mil alunos perderam pelo menos um dia de aula por causa da violência.
Enquanto o secretário busca negociar com a Secretaria de Segurança uma saída para o problema, a solução apresentada pelo prefeito Marcelo Crivella espantou muita gente: blindar as escolas em áreas de risco.
Bunkers para traficantes
Para especialistas, a criação de espaços blindados dentro de comunidades violentas serviria apenas para oferecer a traficantes verdadeiros bunkers onde poderiam se abrigar e enfrentar a polícia, ou mesmo outras quadrilhas, sem o risco de serem atingidos. Ou seja, a segurança dos alunos continuaria em risco.
"A escola, por definição, deve ser um espaço público aberto, reconhecido pela comunidade como tal, ou deixa de cumprir a sua missão pedagógica", afirma Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e especialista em educação e segurança pública. "Blindar a escola é deixar de atacar a raiz do problema e oferecer aos traficantes um escudo na guerra às drogas."
A empresa americana Gigacrete, com sede no Texas, seria a fornecedora da argamassa especial usada para a blindagem dos muros de 400 escolas situadas em regiões consideradas de risco. A prefeitura não informou como a companhia seria contratada nem o custo da obra – que, segundo especialistas brasileiros, pode ultrapassar o valor de 3 mil reais por metro quadrado.
"Trata-se de uma medida esdrúxula, anunciada no calor da emoção ou pela necessidade de apresentar uma solução mágica para o problema", criticou o diretor da Associação Brasileira de Educação, Edson Nunes, pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento da Universidade Cândido Mendes.
"Entendo a preocupação do prefeito de proteger as crianças, mas o problema que estamos enfrentando não tem a ver com o fracasso das paredes das escolas", acrescentou.
Fim de ações policiais
Nesta segunda-feira (17/04), o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro (MPRJ) ofereceu denúncia contra dois policiais acusados do homicídio doloso de dois traficantes em frente à Escola Municipal Escritor e Jornalista Daniel Piza, onde Maria Eduarda estudava.
Segundo a denúncia, os traficantes estavam caídos, feridos em decorrência de confronto com os militares, quando os policiais fizeram disparos de fuzil à queima-roupa que resultaram na morte dos dois junto ao muro da escola onde Maria Eduarda foi atingida. Ela participava de uma aula de educação física na quadra do colégio no momento da troca de tiros.
Para o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a única forma de reduzir o risco para moradores e estudantes de comunidades violentas é impedir os confrontos perto das escolas. A polícia, diz ele, não pode trocar tiros com traficantes nesses ambientes.
Denise Carreira, coordenadora executiva da ONG Ação Educativa e uma das autoras do relatório Educação e violência armada, de 2008, também acredita que não pode haver esse tipo de ação policial. Segundo ela, que foi relatora nacional de educação entre 2001 e 2012, um dos argumentos usados pelos policiais é que os traficantes atuam nesses horários nas escolas, mas outras ações preventivas poderiam ser adotadas.
Para Ibis Pereira, ex-comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, a proposta de blindar escolas é "uma medida desesperada". "Precisamos de uma política de segurança que priorize a vida. Estamos priorizando o enfrentamento, a guerra às drogas, e não a preservação da vida e a redução das taxas de homicídio", afirma, também defendendo que não haja operações policiais em horários de funcionamento das escolas.
Cara considera que a solução é coletiva e deve abarcar diferentes setores: postos de saúde, escolas, associação de moradores, policiais. "Além de parte da sociedade civil que está fora das comunidades, mas se preocupa com o que acontece lá dentro."
"Medidas demagógicas, como blindar muros, ajudam no processo de popularidade dos gestores, mas muito pouco em termos de realmente resolver os problemas da comunidade", afirma.
Apesar de ainda não haver aulas na escola onde Maria Eduarda morreu, alguns alunos e professores retornaram ao colégio esta semana para reuniões e atividades lúdicas, numa tentativa de ajudar a comunidade a lidar com o trauma do assassinato. Na fachada da escola, cartazes pedem justiça.