Abandonados, curdos ganham em inimigo dos EUA um aliado
14 de outubro de 2019As Forças Armadas da Síria foram deslocadas nesta segunda-feira (14/10) para a fronteira com a Turquia. O movimento ocorre poucas horas depois de milícias curdas, que eram aliadas dos Estados Unidos, anunciarem um acordo com o regime de Bashar al-Assad, aliado da Rússia, para ajudá-los a conter a ofensiva turca no nordeste sírio, iniciada após a retirada das tropas americanas da região.
O anúncio de um acordo entre curdos e o governo sírio é a principal mudança nas alianças que surgiram após o presidente dos EUA, Donald Trump, ordenar a retirada das tropas americanas em meio ao caos que se alastra rapidamente na região.
A mudança cria um conflito potencial entre Turquia e Síria e pode fortalecer o ressurgente grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI). Ao renunciarem a qualquer influência no norte da Síria, os EUA acabaram abrindo espaço para Assad e seu principal aliado, a Rússia.
A agência de notícias estatal síria, Sana, afirmou nesta segunda-feira que as forças do regime de Assad se aproximaram da fronteira com a Turquia onde as tropas de Ancara mantêm confrontos contra as milícias curdas. Os militares foram enviados para a periferia de Tal Tamr, localizada a cerca de 20 quilômetros da fronteira entre os países.
De acordo com a Sana, os militares vão combater a "agressão turca". Tal Tamr é uma cidade predominantemente cristã, que foi tomada e controlada pelo EI antes da sua libertação por combatentes curdos. Muitos cristãos, que representavam de cerca de 10% da população síria antes da guerra, fugiram para a Europa durante o conflito que começou em março de 2011.
No domingo, a autoproclamada Administração Autônoma do Norte e do Leste da Síria, órgão executivo das milícias curdas que controlam ambas as regiões, anunciou o acordo com Damasco para "impedir a agressão" contra o país por parte da Turquia, embora o regime de Assad não reconheça o governo autônomo que administra a área, quase toda controlada pelas Forças da Síria Democrática (SDF).
Segundo autoridades curdas, o Exército sírio ajudará as SDF a "impedir a agressão" da Turquia e a "libertar" as áreas que já foram conquistadas durante a ofensiva promovida pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, como as cidades de Manjib e Ras al Ain.
As autoridades curdas afirmaram ainda que o acordo abre caminho para "libertar os demais territórios e cidades ocupadas pelos turcos", citando especificamente Afrin, no noroeste da Síria, tomada em 2018.
Ofensiva controversa
A Turquia já promoveu outras ofensivas no norte da Síria contra as milícias curdas, consideradas pelo governo de Erdogan como terroristas, e agora quer expulsá-las de uma área na fronteira. O objetivo é levar ao local os 3,5 milhões de refugiados sírios que fugiram para o território turco devido ao conflito na região.
Membro da Otan, a Turquia tem sido duramente criticada por sua ofensiva militar contra combatentes curdos no nordeste da Síria, iniciada poucos dias depois de os Estados Unidos terem anunciado a retirada de tropas americanas da região.
Forças turcas visam atingir posições da milícia curda Unidades de Proteção do Povo (YPG), considerada organização terrorista por Ancara, e que controla uma grande área no lado sírio da fronteira.
A ofensiva foi alvo de pesadas críticas por parte da comunidade internacional, não só por abrir uma nova frente de combate num país assolado há oito anos por uma guerra civil, mas também porque os curdos são considerados aliados importantes na luta contra o EI.
Os confrontos já resultaram na fuga de pelo menos 950 combatentes do "Estado Islâmico"e simpatizantes e familiares do campo de Ain Issa, na Síria. O fato alimenta ainda mais o temor que a retirada americana e o avanço turco no norte sírio permitirá que o grupo jihadista se reconstitua, após ter sido praticamente derrotado.
Nesta sexta-feira, a ONU alertou em comunicado que, em apenas três dias, a ofensiva da Turquia levou cerca de 100 mil a abandonarem suas casas, e que "o impacto humanitário já está sendo sentido".
O êxodo é o mais recente na guerra síria, que já forçou cerca de 11 milhões – a metade da população nacional – a se deslocarem. A Turquia criticou o alerta de crise humanitária iminente, que teria sido "fabricado para desacreditar os esforços antiterroristas do país".
CN/ap/efe/rtr/lusa/afp
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