Acordo pode redefinir curso político da Ucrânia
21 de fevereiro de 2014A sexta-feira (21/02) foi um dia de guinada na crise ucraniana, que poderá solver o atual impasse e mudar o curso político do país. Líderes da oposição firmaram com o presidente Viktor Yanukovytch um acordo prevendo eleições antecipadas, a reforma da Constituição e a composição de um novo governo de unidade nacional dentro de dez dias.
O documento determina, ainda, que o governo não decretará estado de emergência e que ambas as partes se absterão de violência. Os manifestantes deverão entregar todas as armas, retirando-se dos edifícios que ocuparam e de outros pontos de protesto por todo o país.
O acordo foi um meio termo entre as reivindicações de Kiev e as da oposição. Críticos apontam que algumas condições são formuladas de forma vaga, podendo alimentar disputas futuras; outros acusam o documento de servir aos interesses do Ocidente, em especial dos Estados Unidos.
Para parte dos oposicionistas, além disso, a data fixada para o pleito presidencial, dezembro próximo, está distante demais, e eles exigem a renúncia imediata de Yanukovytch.
Constituição alterada
Poucas horas após a assinatura, o Parlamento aprovou o retorno aos termos da Constituição de 2004, que limita a autoridade presidencial, restringindo, assim, algumas das prerrogativas que Yanukovytch impôs em interesse próprio, após ser eleito em 2010.
Também decidiu-se pela demissão do ministro do Interior, Vitali Zakharchenko. Ele é responsabilizado pela escalada de violência policial, inclusive pelo emprego de atiradores que, posicionados em telhados no centro de Kiev, na quinta-feira mataram dezenas de participantes dos protestos, com tiros certeiros na cabeça ou no pescoço.
O Parlamento votou, ainda, reformas legislativas no sentido da libertação da ex-primeira-ministra Yulia Timochenko. Desde 2011 ela cumpre pena de sete anos por acusações de abuso de cargo e desvio de verbas, as quais seus seguidores afirmam ser politicamente contaminadas.
Por 310 votos a 54, os deputados aprovaram emendas do Código Penal que eximiriam de culpa a ex-empresária e figura-símbolo da Revolução Laranja de 2004. Ainda não está definido quando ela poderá deixar o presídio em Kharkiv, no leste do país.
Violência trégua
Os primeiros sinais levam a crer que, embora represente avanço promissor, a assinatura do acordo não representará o fim imediato da violência. Na capital, ouviram-se tiros ao longo do dia, e milhares de manifestantes continuam acampados.
Aos brados de "Renuncia! Renuncia!", os manifestanes reunidos na Praça da Independência (Maidan) anunciaram que não deixarão o local até que Viktor Yanukovytch seja deposto. A quinta-feira foi o dia mais sangrento na história pós-soviética da Ucrânia, com um saldo de cerca de 70 de mortos.
O impasse político no país, que culminou nas batalhas de rua dos últimos dias, começou em novembro último com a recusa de Yanukovytch de assinar um acordo de parceria com a União Europeia. A decisão exacerbou o descontentamento popular com a corrupção, a falta de direitos democráticos e o quase colapso da economia nacional, fazendo eclodir a revolta.
O país de 46 milhões de habitantes encontra-se fortemente dividido: enquanto a região oeste se sente mais próxima à UE – e, em parte, rejeita a autoridade do presidente –, o leste favorece os laços com a Rússia, também num resquício do passado recente do país, república soviética até 1991.
Pressões econômicas
As negociações em Kiev entre o governo pró-Rússia e os oposicionistas pró-Ocidente transcorreram sob as vistas de três ministros europeus de Relações Exteriores: Frank-Walter Steinmeier, da Alemanha, Laurent Fabius, da França, e Radoslav Sikorski, da Polônia.
Na véspera, a União Europeia havia decidido adotar sanções econômicas contra os responsáveis pela violência na Ucrânia, incluindo bloqueio de contas bancárias e interdição de viagens para o bloco.
Antes mesmo de as sanções serem definidas em caráter vinculativo, seus efeitos se fizeram sentir na Ucrânia: as exportações nacionais ficaram praticamente paralisadas, e os preços dos cereais escalaram.
Nesta sexta-feira, a agência de classificação de risco Standard & Poor's baixou a nota da Ucrânia, antecipando que o país poderá cair em inadimplência se não houver progressos políticos significativos.
AV/ap/afp/rtr