Acusações contra Snowden dominam debate sobre espionagem nos EUA
25 de janeiro de 2014Quando seu anonimato é garantido, certos funcionários do governo dos Estados Unidos revelam fantasias sanguinárias em relação a Edward Snowden, o ex-colaborador da Agência de Segurança Nacional (NSA).
"Eu adoraria meter uma bala na cabeça dele", disse um funcionário do Pentágono, descrito como ex-oficial dos Boinas Verdes (forças especiais do Exército dos EUA), em entrevista nesta semana ao portal BuzzFeed. "Não tenho prazer em tirar a vida de outro ser humano, tendo que fazê-lo de uniforme. Mas ele é o maior traidor da história americana."
"Num mundo em que eu não fosse impedido de matar um americano, eu iria lá e o mataria pessoalmente", disse também um analista do NSA ao site. "Um monte de gente compartilha esse sentimento."
O BuzzFeed sugere que tal "hostilidade violenta" em relação a Snowden é latente nos bastidores do debate que o denunciante provocou sobre as atividades da NSA. Quer essa conclusão seja exagerada, quer não, a percepção dos motivos de Snowden – que, afinal de contas, foi apenas "o mensageiro" – são certamente um indicador de como está sendo conduzido o debate sobre a NSA.
Acusação de colaboração com chineses e russos
Alguns deputados norte-americanos, tanto republicanos como democratas, insinuaram que Snowden colaboraria com os serviços secretos russos ou chineses. Como revelou à rede de TV NBC, o presidente da comissão de inteligência da Câmara dos Representantes, Mike Rogers, considera que não é por mera sorte que Snowden tenha acabado na Rússia, sob a custódia da agência de segurança nacional FSB.
Enquanto isso, Michael McCaul, presidente da comissão de segurança interna da Câmara dos Representantes, disse à ABC esta semana não acreditar que Snowden tenha sido capaz de fazer tudo sozinho.
Ele acrescentou não poder dizer de forma conclusiva que a Rússia esteve envolvida, mas acredita que Snowden foi "cultivado". Seja lá o que "cultivado" queira dizer, até agora ninguém apresentou provas de conluio entre Snowden e quaisquer serviços secretos não americanos, fora sugerir ser "estranho" que Snowden tenha planejado sua viagem tão bem, considerando o pouco tempo que teve. "Ele já estava de mala pronta, por assim dizer", especulou Rogers.
Ato solitário, segundo evidências
Na realidade, o FBI, que investiga como Snowden obteve os dados, declarou anonimamente ao New York Times que a conclusão é que Snowden agiu sozinho. Ainda assim, outros legisladores dos EUA sugeriram que, mesmo que os russos não tenham ajudado o delator diretamente, outros países têm agora todos os dados vazados da NSA.
"Snowden levou informações a países que têm interesses contrários aos dos Estados Unidos. Acho que hoje se parte do princípio que esses países estão de posse de uma boa quantidade dessas informações, se não de todas", disse o senador Chris Murphy, em entrevista à DW em novembro de 2013, durante uma visita a Berlim, com o fim de demonstrar a boa vontade dos americanos em consertar o estrago diplomático provocado pelo caso NSA.
Não há evidência alguma que Snowden tenha colaborado com outros serviços de espionagem. Ele próprio refutou tais acusações, em entrevista publicada nesta terça-feira pela revista New Yorker, dizendo que desde 2007 mantinha sempre uma mala arrumada, pronto para viajar. "Essa não é uma prática exótica entre gente que viveu como agente secreto a mando do governo", argumentou.
Críticas são "tentativa de desviar atenção"
Snowden também destacou que o próprio governo dos EUA foi responsável por sua permanência prolongada em solo russo. "Eu estava apenas em trânsito pela Rússia", disse ele à New Yorker. "Eu deveria seguir viagem por Havana. Vários repórteres documentaram o assento em que era para eu estar. Mas o Departamento de Estado decidiu que me queria em Moscou e cancelou o meu passaporte."
Para os defensores de Snowden, os comentários dos políticos são uma desastrada tentativa de desviar a atenção. "O discurso anti-Snowden não é mais do que um reflexo do apego perverso ao sigilo e à ocultação de fatos, que domina as agências de inteligência e mina os princípios fundamentais de transparência e responsabilidade", afirmou Carly Nyst, diretor na ONG britânica Privacy International, em entrevista por e-mail à DW.
"Considerando o alvoroço público sobre os programas de vigilância em massa revelados por Snowden, discussões como essas são evidentes tentativas das autoridades de desviar a atenção de si mesmas e de suas operações ilegais de espionagem", acrescentou o ativista.
"Acusações muito sérias"
Snowden reclama da mídia que, segundo ele, está reproduzindo acusações sem investigar antes. "Eles publicam declarações cujos próprios autores admitem ser pura especulação. E são acusações muito sérias, percebe?"
Jeff Chester, diretor-executivo da ONG Center for Digital Democracy, baseada em Washington, acredita que Snowden está sendo um pouco ingênuo. "Ele está esperando muito do jornalismo norte-americano, especialmente da televisão, que tem estado enfraquecida em sua capacidade de tomar posições fortes contra o governo ou contra figuras corporativas poderosas", disse à DW.
Chester considera que Snowden deveria estar feliz com o que já conseguiu. "Ele recebeu destaque nos dois principais diários norte-americanos, o New York Times e o Washington Post. Na realidade, o apoio a Snowden da mídia tem sido único, com equipes de repórteres escrevendo sobre os documentos e as questões que ele desenterrou". Mas ele condena a campanha contra o ex-consultor da NSA. "A prática da caça política às bruxas ainda floresce, mesmo na era Obama."