Alemanha debate como lidar com o antissemitismo islâmico
25 de abril de 2018Felix Blume, um jovem de 30 e poucos anos, conseguiu lançar um debate que há muito tempo pairava no ar, mas que precisava de um pontapé para começar. E ele fez isso com uma música. Ela usa algumas expressões pesadas, mas pelo jeito elas não bastavam. Assim, Blume – melhor conhecido como o rapper Kollegah – acrescentou mais uma frase: "Meu corpo mais sarado do que o de um preso de Auschwitz".
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A frase surge meio de repente na música, isolada, sem relação com o que veio antes ou virá depois. Talvez justamente por isso ela chame tanta atenção e desperte entusiasmo entre muitos fãs. Já nas primeiras semanas depois do lançamento, o disco – chamado Jung Brutal Gutaussehend 3 (jovem extremamente boa pinta 3) – alcançou 30 milhões de streams e várias colocações no top 50 de singles. Em abril, Blume e seu colega Farid Bang receberam o prêmio Echo, o mais importante da indústria musical alemã. Em protesto, inúmeros artistas devolveram os seus prêmios.
Não é a primeira vez que Kollegah faz referência ao nazismo em suas canções. Ele já havia falado sobre "a solução final da questão rapper", a "Schutzstaffel dos alemães" ou simplesmente da "Wehrmacht". "Solução final da questão judaica" era como os nazistas chamavam seu plano de extermínio dos judeus. A Schutzstaffel, ou SS, foi uma organização paramilitar do partido nazista. Wehrmacht era o nome das Forças Armadas na época da Alemanha nazista.
A glorificação da violência, assim como a ostentação do luxo, a vulgarização da mulher e o elogio da masculinidade, são elementos centrais do universo do "gangsta rap", o gênero a que Kollegah se dedica. Mas o antissemitismo nunca foi um traço marcante dessa variante do hip hop. As vendas do álbum do artista alemão, porém, não deixam dúvidas: esse elemento novo é bem aceito pelos fãs, ou até mesmo esperado por eles.
Um novo antissemitismo
O fato de Kollegah ter se convertido ao islã quando tinha 15 anos, possivelmente influenciado pelo seu padastro argelino, lança a questão de uma motivação islâmica específica por trás de suas expressões antissemitas.
E essa questão surge justamente num momento em que a Alemanha, ainda às voltas com o ataque antissemita de um jovem refugiado de origem síria a um outro jovem, que portava uma quipá nas ruas de Berlim, debate sobre a possível existência de um antissemitismo de cunho islâmico.
Não há números confiáveis que possam confirmar esse fenômeno. Mas há a percepção da comunidade judaica. "Além do antissemitismo clássico da direita e, cada vez mais, da esquerda, o antissemitismo entre muçulmanos nos coloca diante de grandes desafios", afirmou o dirigente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Daniel Botmann, num discurso em Berlim, há alguns dias.
Segundo ele, o antissemitismo não é um problema apenas das comunidades muçulmanas. "Ainda assim vale: comunidades muçulmanas devem encarar o combate ao antissemitismo em suas fileiras de forma credível e sustentável e torná-lo uma questão essencial", afirmou.
Viés propagandístico
O ex-ministro alemão da Justiça Heiko Maas, atual ocupante do Ministério do Exterior, referiu-se à questão de maneira semelhante. O princípio de que não se deve aceitar de forma alguma o antissemitismo na Alemanha precisa ser transmitido não apenas a todos os estudantes alemães, mas também a todas as pessoas que, nos últimos anos, chegaram à Alemanha como refugiados, afirmou.
"Muitos não tiveram a oportunidade de conhecer a história alemã. Ao contrário: em muitos casos, eles são oriundos de países onde os poderosos estimulam propositalmente o ódio a judeus e Israel, e onde o antissemitismo praticamente já se tornou uma obviedade cultural."
Também o relatório do grupo independente de especialistas em antissemitismo do Parlamento, divulgado em abril de 2017, chegou à conclusão de que o antissemitismo de círculos islâmicos tem caráter mais propagandístico do que religioso.
"O conflito no Oriente Médio é visto como a principal fonte de declarações antissemitas. Nesse contexto, os jovens se utilizam de uma identidade coletiva étnica ou muçulmana imaginária para se certificarem de que existe uma rejeição a judeus que é compartilhada por todos os muçulmanos e que ela é, assim, uma 'atitude normal'."
Onde o ódio é disseminado, como Maas expôs, ou onde ele se baseia em identidades coletivas "imaginárias", como afirma o grupo de especialistas, são necessárias medidas preventivas que atuem sobretudo no nível psicológico. Pode-se dizer também que elas necessariamente devem ser assim, pois uma raiz racional para o antissemitismo, não importa de que viés, não é conhecida.
O papel da sociedade
É por isso que as medidas preventivas devem ser resolutas, afirma o psicólogo Ahmad Mansour, que é muçulmano e nasceu em Israel. Ele constata, porém, que elas não existem na Alemanha.
"Os jovens que chegam até nós não são recepcionados com valores claros. Não mostramos a eles o que essa sociedade espera deles. Não dizemos a eles por que antissemitismo não é tolerável na nossa sociedade", comentou durante um programa de debates na televisão.
Em tempos em que uma parte dos migrantes não se ocupa de forma suficiente ou nem mesmo se ocupa das normas do país a que chegaram, ou até mesmo não as aceita, a sociedade que os acolhe é duplamente exigida. Para Mansour, também as comunidades muçulmanas devem fazer a sua parte.
"Precisamos de mesquitas que não apenas organizem vigílias, que não apenas digam publicamente nós condenamos isso, mas que estejam em condições de dizer, nas orações das sextas-feiras, que o direito de existência de Israel não pode ser questionado neste país."
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