Alemanha pós 11/09: solidariedade moderada com EUA
4 de setembro de 2006O então chanceler federal, Gerhard Schröder, falava nos dias que sucederam os ataques em Nova York e Washington em uma “solidariedade ilimitada” com a população norte-americana. Acima de tudo, porque a Alemanha estava diretamente envolvida, como viria a ficar claro dias mais tarde: três dos pilotos suicidas viviam em Hamburgo.
A Alemanha nunca foi atingida por um atentado terrorista de graves conseqüèncias e por isso a população do país não parece se sentir especialmente ameaçada. Numa pesquisa de opinião realizada em agosto de 2006, os cortes do sistema social e o desemprego preocupavam muito mais os habitantes do país do que a possibilidade de um ataque terrorista, temido por apenas 25% dos entrevistados.
Essa segurança aparente foi várias vezes associada à rejeição do governo social-democrata-verde à guerra do Iraque, uma decisão que trouxe popularidade ao então premiê Schröder e deu a seu partido a vitória nas eleições de 2004.
Gelo transatlântico
O preço pago pela Alemanha por não ter participado da coalizão formada para atacar o Iraque foi, por outro lado, um certo gelo nas relações transtlânticas com Washington. A voz do país no cenário internacional, contudo, acabou ganhando peso exatamente graças a esta rejeição à invasão promovida pelos EUA.
E isso num contexto em que soldados alemães participam, sim, de ações de combate ao terrorismo. Antes do 11 de setembro, por exemplo, ninguém ousaria imaginar que tropas do país pudessem se manter estacionadas por anos no Afeganistão ou na África.
Incompetência à vista
No mais tardar depois que foram encontradas bombas prontas para explodir, em malas depositadas em trens nas cidades de Koblenz e Dortmund, ficou claro, porém, desde agosto último, que a segurança existente na Alemanha era apenas de fachada.
Não fossem falhas na construção dos explosivos e muita sorte, as viagens dos dois trens regionais teriam se transformado em um verdadeiro inferno. As autoridades do país, por sua vez, não tinham nem a mais remota idéia sobre o planejamento do atentado – um atestado de incompetência das autoridades responsáveis pelo combate ao terrorismo no país.
Aumento da vigilância
Cinco anos depois dos ataques de 11 de setembro, a política alemã ainda continua tentando alinhavar um plano decente de segurança. O governo social-democrata-verde de então chegou a dar início a algumas medidas.
O ex-ministro do Interior, Otto Schily, tentava corresponder aos anseios das autoridades responsáveis pela segurança, que pleiteavam o acesso da polícia e do serviço secreto aos dados fornecidos por instituições financeiras, companhias aéreas ou departamentos públicos.
A vigilância no espaço público e privado aumentou, bem como o cerceamento da liberdade de ação de associações, enquanto cresceu a possibilidade legal de combater organizações acusadas de terrorismo dentro do país.
Lacunas na segurança
As leis de controle do espaço aéreo acirraram, em 2005, o controle de pessoal, carga e passageiros. “Desde o 11 de setembro de 2001, foram aprovados tantos pacotes de segurança, que realmente não podemos falar de que haja na Alemanha lacunas na segurança”, diz Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, do Partido Liberal (FDP).
A ex-ministra da Justiça havia se afastado do governo na década de 90, em sinal de protesto contra o excesso de intervenção do Estado na vida do cidadão em nome do combate ao terrorismo e à criminalidade. "Os direitos de cada um infelizmente não têm mais tantos defensores nesta nossa democracia livre, embora eles sejam, para nós, um dos fundamentos indispensáveis do nosso sistema político", afirmou Leutheusser-Schnarrenberger na época.
Ferramentas inúteis
Depois de cada atentado planejado ou concretizado, mas também antes de cada eleição regional, tornou-se praticamente um ritual político exigir mais poder para a polícia e o serviço secreto e maior punição aos infratores. A Bundeswehr e até mesmo os desempregados do país foram conclamados pelos membros do governo a participar do combate ao terrorismo.
Uma melhoria, portanto, deveria ocorrer em outro aspecto: “Temos muitas ferramentas para enfrentar o terrorismo, mas a maioria delas não serve para nada", diz Klaus Jansen, Presidente da Associação dos Investigadores Criminais. Os problemas estão, observa Jansen, na falta de cooperação e coordenação. O intercâmbio de informações não avançou muito, mesmo passados cinco anos depois do 11 de setembro.
Clique para continuar lendo.
Excesso de departamentos
Os 17 serviços secretos da Alemanha (16 estaduais e um federal) ainda não têm, até hoje, um banco de dados comum que registre o andamento das investigações e informações sobre supostos terroristas. Isso porque os Estados não conseguem entrar em um acordo sobre quais dados exatamente deveriam entrar neste banco de dados comum. Da mesma forma, não há no país uma polícia capaz de atuar como o FBI americano, por exemplo.
O combate ao terrorismo é uma tarefa dividida por nada menos que 37 departamentos, contabiliza Jansen. O recém-criado Centro Comum de Combate ao Terrorismo, que deveria congregar todo o fluxo de informações, não é satisfatório. Fora do país, essa situação é vista com perplexidade. Uma cooperação efetiva com a Europa ou os EUA, neste sentido, também parece não ser possível, uma vez que o fluxo de informações emperra até mesmo dentro da Alemanha.
Perplexidade norte-americana
Em termos internacionais, o sistema jurídico alemão é também incompreendido, principalmente quando se trata de "sentenças leves demais" a supostos terroristas. Um mandado de prisão para um suposto terrorista procurado pela polícia espanhola, por exemplo, não foi aplicado no país, por ter sido considerado anticonstitucional. Apesar de tudo, o então Procurador Geral da República chegou a onze acusações com sete sentenças contra terroristas islâmicos.
Um dos focos de atenção, neste contexto, foi o processo contra os membros da célula de Hamburgo, de onde foram planejados os atentados do 11 de setembro. Não apenas o Washington Post duvidou que o processo moroso viesse um dia a ser concluído.
Mounir al Motassadeq acabou sendo condenado a 15 anos de prisão por auxílio no assassinato de mais de três mil pessoas e participação em organização terrorista. A Corte Suprema Alemã suspendeu, contudo, a sentença, fazendo com que o acusado saísse com apenas seis anos de pena por ter pertencido à célula terrorista de Hamburgo. Abdelghani Mzoudi, acusado dos mesmos crimes, foi absolvido.
Mistura perigosa
Em 2004, porém, foi aprovada na Alemanha uma nova legislação em relação aos estrangeiros que vivem no país. Supostos extremistas podem, por exemplo, ser deportados com maior facilidade.
Isso mostra como as questões de migração e segurança estão interligadas desde o 11 de setembro, observa o cientista político Christoph Butterwege, autor do livro Massenmedien, Migration und Integration (Meios de comunicação de massa, migração e integração). "O debate a respeito da imigração foi aliado às discussões sobre o terrorismo e a segurança interna. Uma mistura perigosa ", acredita Butterwege.
Integração e não exclusão
Os muçulmanos que vivem na Alemanha reclamam que desde o 11 de setembro pesa sobre eles uma suspeita generalizada, como se qualquer pessoa adepta do islã fosse um assassino em potencial.
Nos debates, em parte histéricos, levados a cabo no país sobre o uso do lenço muçulmano pelas mulheres, assassinatos por questão de honra e integração de estrangeiros é com freqüência ignorado que os especialistas vêem na composição da comunidade muçulmana no país um motivo para a relativa segurança reinante na Alemanha. Mais de 75% desses muçulmanos são oriundos da laica Turquia, ao contrário do que acontece no Reino Unido, onde a comunidade muçulmana é formada basicamente por imigrantes do Paquistão ou de Bangladesh, países onde as correntes fundamentalistas do islã exercem mais influência.
Raízes do problema
A exclusão baseada em suspeitas generalizadas costuma surtir um efeito contrário: o de fazer com que os muçulmanos na Alemanha se voltem para a religião. Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Turcos, em Essen, mostra que a religiosidade dos imigrantes muçulmanos na Alemanha cresceu após o 11 de setembro.
Evitar um possível processo de radicalização da comunidade muçulmana na Alemanha é o pressuposto necessário para o combate ao terrorismo, acredita o especialista Udo Ulfkotte. "Não podemos enfrentar o problema simplesmente instalando dez mil câmeras de vídeo por aí. Temos que ir às raízes da questão", completa.