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Alemanha poderá ter um "fascista" no governo de um estado

Publicado 17 de janeiro de 2024Última atualização 1 de setembro de 2024

Líder da AfD no estado da Turíngia, Björn Höcke quer governar em 2024. Seu partido emerge como principal força local. Analistas alertam para o risco que isso criaria para a democracia alemã.

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Björn Höcke
Björn Höcke lidera diretório da AfD que é considerado uma potencial ameaça à ordem democrática alemã pelo serviço de inteligência doméstica da AlemanhaFoto: imago images

Alternativa para a Alemanha (AfD) de Björn Höcke foi a mais votada na eleição ao Parlamento do estado da Turíngia deste domingo (01/09) – uma "vitória histórica", nas palavras dele.

De fato: é a primeira vez que um partido de ultradireita – cujo diretório estadual é sabidamente extremista – vence uma eleição desse porte desde a Segunda Guerra.

"Isso me enche de tanto, tanto, tanto orgulho e satisfação", afirmou a apoiadores em Erfurt, capital da Turíngia, após as primeiras bocas de urna. "Estamos prontos para assumir responsabilidade no governo."

Höcke quer se tornar o primeiro político da AfD a servir como primeiro-ministro de um dos 16 estados federados da Alemanha.

Referências ao nazismo

Höcke nega defender qualquer ideologia nazista. Ele costuma rebater seus críticos dizendo que, hoje em dia, na Alemanha, qualquer um que critique os partidos governantes é descrito como nazista.

O político de 52 anos é professor de história e ensinou a disciplina por 13 anos antes de se dedicar integralmente à política em 2014. E tem um longo histórico de declarações extremistas.

Björn Höcke é maquiado
Björn Höcke pode se tornar primeiro-ministro da TuríngiaFoto: Jens Schlueter/Getty Images

Quando ainda era professor, em fevereiro de 2010, ele participou de uma marcha neonazista em Dresden. Quando manifestantes contrários ao grupo bloquearam o evento, ele gritou furiosamente com o punho levantado: "Nós queremos marchar!"

Desde o regime assassino dos nazistas sob Adolf Hitler (1933-1945), qualquer invocação ideológica ou simbólica dos valores nazistas é considerada inaceitável na Alemanha. Durante a era nazista, os alemães assassinaram mais de 6 milhões de judeus e foram responsáveis pelo conflito mais mortal da história mundial, a Segunda Guerra Mundial.

Contatos com extremistas 

Em 2008, Höcke se mudou para a pequena vila de Bornhagen, uma área rural idílica na Turíngia. 

Quando os caminhões de mudança chegaram à antiga casa paroquial, um convidado famoso apareceu: Thorsten Heise. Ele vive em um vilarejo vizinho e é um dos neonazistas mais ativos da Alemanha. 

Heise tem um longo histórico criminal: lesão corporal grave, perturbação da paz, coerção e incitação ao ódio racial. E mantinha contato com o grupo terrorista de extrema direita Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU), que assassinou dez pessoas na Alemanha por motivos puramente racistas.

Declarações juramentadas de testemunhas que afirmam ter visto Höcke e Heise juntos sugerem que a relação entre os dois era muito amigável. Höcke não nega conhecê-lo.

Por volta dessa época, a revista neonazista de Heise publicou artigos de um certo "Landolf Ladig", com exaltações ao regime nazista e a defesa de um sistema econômico baseado na biologia racial. Ladig também citava cartas ao editor escritas por Björn Höcke e usava terminologias e frases encontradas apenas em textos escritos pelo próprio Höcke.

Anos depois, o próprio partido de Höcke tentou expulsá-lo – sem sucesso – alegando ser "quase certo" que ele e Ladig eram a mesma pessoa. 

Em uma carta de 2015, o Conselho Executivo da AfD acusou Höcke de publicar escritos "extremamente próximos ao nazismo" sob o pseudônimo. Höcke negou, mas se recusou a assinar uma declaração nesse sentido.

Em 2017 a AfD tentou expulsar Höcke. O comitê executivo do partido iniciou um processo de exclusão após o polêmico discurso dele num evento do partido em Dresden, no qual ele criticou a forma como a Alemanha lembra o Holocausto, chamando-a de estúpida e defendendo uma "reversão de 180 graus", e chamou o Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, em Berlim, de "monumento da vergonha". A Justiça da Turíngia acabou barrando a expulsão.

Multado por usar slogans nazistas

As referências de Höcke à era nazista começaram a se tornar mais óbvias após ele ingressar na AfD, em 2013.

Em 2019, um tribunal alemão decidiu que o político pode legalmente ser descrito como "fascista", por esse ser um julgamento de valor com "base factual verificável".

Em 2024, ele foi condenado duas vezes por usar slogans nazistas proibidos. Em julho, o tribunal regional de Halle decidiu que ele usou o slogan da Sturmabteilung (SA) de Hitler  "Tudo pela Alemanha" durante um comício de campanha em novembro de 2023. A SA era um grupo paramilitar temido que aterrorizava oponentes políticos e judeus nas ruas, principalmente no início do regime nazista.

Ao proferir o veredito, o juiz afirmou que, como historiador, Höcke sabia que estaria cometendo um crime ao usar o slogan. O político foi multado em 16,9 mil euros (R$ 105,4 mil) por usar um símbolo de uma organização inconstitucional e terrorista.

Em maio de 2024, Höcke também foi condenado a multa pela mesma acusação. Ele havia usado o slogan da SA em um discurso de campanha eleitoral. Ambos os julgamentos ainda não transitaram em julgado.

Medidas contra a imprensa

Devido a reportagens críticas à AfD, o partido vem pedindo há anos a abolição ou reestruturação da radiodifusão pública na Alemanha. Inspirado pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump, o partido faz uso da chamada "mídia alternativa", espalhando suas ideias políticas por meio de canais próprios nas redes sociais.

Numa reunião da AfD em novembro de 2023, Höcke anunciou medidas de amplo alcance caso fosse eleito: "Vamos dar um fim à luta contra a extrema direita", prometeu, sendo aplaudido efusivamente por seus apoiadores.

Höcke, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, também anunciou medidas contra a mídia pública. "O que acontecerá se o Höcke se tornar governador? Ele cancelará os contratos das emissoras estatais? Sim, o Höcke fará isso, sim", gritou, recebendo aplausos dos membros da AfD.

Björn Höcke numa passeata em Chemnitz, na Saxônia, em setembro de 2018
Höcke já participou de passeata ao lado de neonazistas, como nesta em Chemnitz, na Saxônia, em setembro de 2018Foto: Kai Horstmann/imago images

"Nunca mais" nunca foi tão importante quanto agora

Os governos estaduais têm amplos poderes políticos no sistema federal da Alemanha, o que inclui políticas de educação e mídia.

Durante uma reunião da AfD em novembro de 2023, Höcke anunciou mudanças radicais caso se tornasse primeiro-ministro estadual.

Partidos políticos, igrejas, fundações, sindicatos e uma infinidade de iniciativas se mobilizaram contra o sonho de Höcke de assumir o governo da Turíngia. 

Um deles é Jens-Christian Wagner, diretor do memorial do campo de concentração Buchenwald. Wagner apela aos eleitores: a frase "nunca mais", uma advertência para que os crimes do nazismo não se repitam, nunca foi tão importante quanto agora.

Deutsche Welle Pfeifer Hans Portrait
Hans Pfeifer Ele é um repórter multimídia apaixonado, especializado em extrema direita.