Legislação
19 de janeiro de 2007A Alemanha pretende acrescentar um item controverso a sua ambiciosa lista de metas para o período em que ocupa a presidência rotativa da União Européia. A ministra alemã da Justiça, Brigitte Zypries, afirmou que gostaria que a negação do Holocausto, já considerada crime por diversos membros do bloco, pudesse ser punida com até três anos de prisão em todos os 27 países da UE.
A proposta pode acabar gerando um amplo debate na Europa, com muitos questionando se o governo pode garantir a liberdade de expressão e ao mesmo tempo declarar ilegais certas declarações.
"Sempre dissemos que na Europa não deveria mais ser tolerável afirmar que o Holocausto nunca existiu e que ninguém matou seis milhões de judeus", disse Zypries. "Estou confiante de que chegaremos a um resultado positivo nos próximos seis meses."
A Alemanha não poderia ter escolhido um momento mais apropriado, considerando a recente formação no Parlamento Europeu do bloco de extrema direita Identidade, Tradição e Soberania, liderado pela italiana Alessandra Mussolini, neta do ditador italiano, e por Jean-Marie le Pen, do francês Partido da Frente Nacional.
Ainda nesta semana, o fundador do grupo, Bruno Gollnisch, foi considerado culpado por um tribunal francês de questionar o Holocausto. Em seu veredicto, o tribunal salientou que Gollnisch teria questionado o número de judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial e o emprego de câmaras de gás.
O comissário de Justiça e Assuntos Internos da UE, Franco Frattini, pediu apoio imediato à proposta alemã. "Mesmo garantindo a liberdade de expressão, temos que tornar ilegais incitações concretas", explica.
Valor simbólico
Porém falar é mais fácil que fazer. Dois anos atrás, uma proposta semelhante apresentada por Luxemburgo foi bloqueada pela Itália. Desta vez, acredita-se que a oposição virá de países que tradicionalmente defendem a proteção incondicional aos direitos civis, como o Reino Unido e a Dinamarca.
Contudo, Robert Kahn, autor do livro A negação do Holocausto e a Lei, acredita que a liberdade de expressão não seria limitada desnecessariamente. "Leis contra a negação do Holocausto não restringem a liberdade de expressão per se, mas apenas um determinado tipo de discurso", argumenta.
"Sendo assim, uma lei como esta não difere de outras contra a obscenidade, a blasfêmia e a calúnia", disse Kahn, lembrando que mesmo nos Estados Unidos, geralmente tomados como modelo de liberdade de expressão, o grupo racista Ku Klux Klan é proibido de queimar cruzes e usar máscaras.
"Uma lei contra a negação do Holocausto pode servir como um posicionamento simbólico, mesmo que seja raramente usada", salienta. "Ela teria a importante função simbólica de ressaltar que a sociedade não tolerará o retorno de práticas nazistas de assassínio em massa."
Espectro do passado
Portanto, não surpreende que, como salienta Kahn, "a medida obtenha maior aceitação no Parlamento entre países que tiveram experiências diretas com o nazismo no passado". De fato, a lista do nove países nos quais negar o Holocausto é crime inclui a Alemanha, a Áustria, a Polônia, a Bélgica e a França.
Outros países insistem tratar-se de uma decisão a ser tomada em nível nacional. "Acho que esta questão deve ser respondida por cada nação, de acordo com seus próprios mecanismos e processos democráticos", disse o parlamentar britânico Daniel Hannan, do conservador Partido Popular Europeu. "Não vejo razão para impor uma decisão de Bruxelas."
Proibições funcionam?
Hannan duvida da eficácia da proibição. "No Reino Unido, há consenso de que proibir é fora de proporção e traria ainda mais publicidade aos que negam o Holocausto – aliás, poderia até confirmar sua própria visão, de que são mártires perseguidos ", acrescenta.
"A evidência histórica das deportações e assassinatos é inquestionável. Diante dos fatos, ninguém pode duvidar da enormidade do que aconteceu. Então por que criar a impressão de que temos algo a esconder?" Outros argumentam que proibições normalmente causam exatamente o oposto, ao provocar interesse em algo considerado estritamente fora dos limites.
Para o historiador Christoph Kreutzmüller, da Universidade Humboldt de Berlim, um olhar mais atento à maior parte da propaganda de extrema direita é suficiente para reconhecer sua fragilidade. "Basta folhear Minha luta (a autobiografia de Hitler) para perceber a besteira que é. Mas o fato de ser proibido na Alemanha sempre fará com que mais pessoas queiram lê-la."
A Aktion Sühnezeichen Friedensdienst (ASF) também tem receios quanto à eficácia da lei e preferiria que o extremismo de direita fosse cortado pela raiz, como afirmou seu porta-voz Johannes Zerger. A organização voluntária alemã ASF (Ação Sinal de Penitência) foi criada em 1958, para expor o legado do regime nazista.
"A lei teria nosso apoio se fosse parte de um conjunto de medidas mais amplas", disse. "Mas vemos mais sentido em medidas políticas para conter o problema."
As vantagens
Já Imanuel Baumann, da associação responsável pelo museu e pela manutenção do website do antigo campo de concentração Buchenwald, a lei serviria para fins educativos. "Saudaríamos uma lei como essa. Chamar a atenção para qualquer forma de negação do Holocausto, tornando-a ilegal, pode ser proveitoso, pois sublinha as áreas em que precisamos nos concentrar – não apenas para os fins de advogados ou educadores, mas também para o público geral."
Como salienta Robert Kahn, a lei também serviria para pressionar extremistas de direita que se aproveitam de falhas da lei para incitar o ódio. "Uma legislação européia facilitaria a perseguição de grupos neonazistas que tiram vantagens de lacunas na legislação."