Alemanha relembra militares que tentaram matar Hitler
21 de julho de 2021Membros do governo alemão participaram de uma cerimônia nesta terça-feira (20/07) que marcou o 77º aniversário da tentativa de assassinato de Adolf Hitler por oficiais do exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial. As autoridades aproveitaram a ocasião para denunciar o antissemitismo e também tentativas de apropriação do legado da resistência ao nazismo por movimentos negacionistas da pandemia.
Em 20 de julho de 1944, o coronel Claus Schenk von Stauffenberg, membro de um núcleo de oficiais e aristocratas que havia se voltado contra Hitler, plantou uma bomba no quartel-general conhecido como "Toca de Lobo", na antiga Prússia Oriental, hoje dentro das fronteiras da Polônia.
Mas a bomba que Stauffenberg escondeu em uma mala deixada na sala na qual o ditador nazista participava de uma conferência não alcançou seu objetivo. Hitler teve apenas alguns ferimentos. No mesmo dia, fracassou uma tentativa de golpe para remover os nazistas do poder que ficou conhecida pelo nome "Operação Valquíria". O coronel e milhares de membros da resistência, entre militares, aristocratas, religiosos e políticos conservadores acabaram sendo executados um a um nos dias e semanas que se seguiram.
Nesta terça-feira, a ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, falou sobre o atentado durante uma cerimônia que também marcou o juramento cerimonial de mais de 100 novos recrutas da Bundeswehr, as Forças Armadas da Alemanha. O evento ocorreu no local em que Stauffenberg foi executado, um pátio do edifício Bendlerblock, que era sede do comando do Exército alemão durante a guerra e hoje abriga o Ministério da Defesa alemão. Kramp-Karrenbauer disse que o aniversário de 20 de julho se tornou "parte do DNA da Bundeswehr".
Kramp-Karrenbauer enfatizou ainda que o antissemitismo não tem lugar na Bundeswehr. Josef Schuster, presidente do Conselho Central dos Judeus da Alemanha, participou da cerimônia.
A cerimônia ocorre em um momento em que a Bundeswehr tenta se livrar de membros da extrema direita em suas próprias fileiras. Recentemente, as Forças Armadas alemãs nomearam seu primeiro rabino como capelão desde o final da Primeira Guerra Mundial, quando dezenas de milhares de judeus serviram no antigo Exército Imperial.
Lutar para evitar a apropriação da "resistência"
Ao discursar para os recrutas, Schuster criticou atitudes de membros do movimento contra as medidas do governo alemão para conter a pandemia como "infames e repulsivas". Ele disse que é inconcebível "que cidadãos de nosso país, que gozam de todas as vantagens do estado constitucional, ousem instrumentalizar a resistência contra o regime nazista dessa forma".
A fala foi uma referência a membros de grupos negacionistas da pandemia, que se opõem à vacinação ou medidas de isolamento, e que vêm tentando se apropriar do imaginário e do legado da resistência alemã ao nazismo. Em muitas manifestações negacionistas na Alemanha, especialmente em 2020, não foi raro ver manifestantes carregando cartazes ou entoando discursos nos quais se comparavam a resistentes como Stauffenberg ou a estudante Sophie Scholl, que foi executada pelos nazistas em 1943 por criticar o regime de Hitler.
O ministro do Trabalho da Alemanha, Hubertus Heil, outro participante da cerimônia, também aproveitou a ocasião para criticar membros de grupos negacionistas.
"O abuso da resistência faz parte da narrativa de mau gosto e apropriação a-histórica de um certo meio político na Alemanha", disse Heil.
O ministro citou especificamente o caso de Scholl, afirmando que na sua visão é o cúmulo do desrespeito "se apropriar politicamente da combatente da resistência Sophie Scholl e ao mesmo tempo marchar junto com notórios neonazistas", em referência à participação de neonazistas e outros extremistas que abraçaram entusiasticamente os protestos negacionistas.
Heil afirmou que essas tentativas ilegítimas de apropriação do legado da resistência mostram que é o governo alemão tem que "continuar a agir de maneira ativa para preservar a memória" do movimento. Ele também mencionou a resistência de trabalhadores alemães ao nazismo e as numerosas mulheres ativas na resistência.
Olhando para o legado de Stauffenberg, o prefeito de Berlim, Michael Müller, que também participou da resistência, disse que, embora o atentado contra Hitler tenha fracassado, o evento teve um enorme peso moral e para a Alemanha foi "um passo importante no caminho de volta à liberdade e ao respeito próprio".
Ambivalência alemã
O legado de Stauffenberg na Alemanha do pós-guerra desperta sentimentos mistos no país. Alguns o veem como um herói do movimento de resistência antinazista, mas há também quem o enxergue como um oportunista que só se voltou contra o ditador nazista quando a derrota da Alemanha passou a ser inevitável.
O historiador Wolfgang Benz disse ao jornal Augsburger Allgemeine em 2019, na ocasião do aniversário dos 75 anos do atentado, que é importante que os alemães se recordem do movimento de resistência mais amplo ao nazismo, e não apenas dos oficiais militares envolvidos no complô de 20 de julho.
"Os conservadores sempre se concentraram na resistência militar, mas ela chegou muito tarde [na guerra]", disse ele.
jps (dw, ots)