Teatro
9 de janeiro de 2009Seu semblante sombrio, os óculos de aros grossos, o charuto na mão e o copo de uísque ao lado são, para alguns, "a cara" da primeira metade dos anos 90 na Alemanha. A ressaca da queda do Muro, a Berlim ainda dividida de fato (mesmo que não mais oficialmente) e a herança viva de uma Alemanha Oriental que na época ainda não era apenas um registro nos livros de história.
Nascido no estado da Saxônia a 9 de janeiro de 1929, o dramaturgo, poeta e diretor de teatro Heiner Müller tornou-se logo depois da queda do Muro presença constante na mídia do país reunificado, embora suas peças tenham sido escritas, na maioria, ainda nos tempos da República Democrática Alemã (RDA). O país que, a partir de um determinado momento, passou a não simpatizar com o olhar crítico do dramaturgo, tendo proibido inclusive algumas de suas peças. Por isso (mas não apenas por isso), Müller já havia se tornado bem antes de 1989 um nome cultuado na então Alemanha Ocidental.
Reflexão sobre a história
O dramaturgo morreu a 30 de dezembro de 1995, vítima de um câncer de esôfago, exatamente na metade da década de 90, em plenos anos despreocupados do neoliberalismo. Atento, dizia em 1991: "Não é preciso se preocupar com alternativas anticapitalistas, pois o capitalismo não tem mais alternativas, ele não tem mais nenhum inimigo a não ser a si mesmo". O que naquele momento "pode ter parecido bizarro, é hoje um comentário sóbrio sobre a crise financeira", assinala o jornal berlinense Der Tagesspiegel.
Heiner Müller é lembrado, acima de tudo, como um dos principais autores que refletiram sobre a história do país. "Pois sem Müller faltariam nos palcos alemães dois elementos essenciais: por um lado ele foi o último autor de teatro alemão que teve coragem de não somente tematizar a história, mas também de representá-la. Como dramaturgo histórico, escreveu não somente a respeito da história recente como a do comunismo (em Cimento ou Mauser) ou a da Segunda Guerra (em Estrada de Wolokolamsk), mas também sobre os prussianos de peruca", escreve o diário Berliner Morgenpost.
Das celebrações que lembram o dramaturgo no país faz parte a exibição pelo canal de TV 3Sat do documentário Ich will nicht wissen, wer ich bin – Heiner Müller (Não quero saber quem sou – Heiner Müller), dirigido por Christoph Rüter, com depoimentos de, entre outros, Robert Wilson e Jeanne Moreau. O teatro Schauspiel Frankfurt, o Deutsches Theater e a Academia das Artes em Berlim promovem também debates e leituras da obra do autor.
Entrevista como encenação
Embora tenha escrito muito pouco nos últimos anos de vida, Müller não perdeu o gosto pela fala. Entre 1965 e sua morte, em 1995, concedeu diversas entrevistas, reunidas agora pela editora Suhrkamp em três volumes com mais de 3 mil páginas ao todo. Uma publicação que fecha suas Obras Completas.
"Os volumes documentam como, principalmente na fase posterior de Müller, a conversa aparece como uma forma artística autônoma. Na 'narrativa cristalina' de suas peças, Müller faz uso consciente de cada palavra, trabalhando com economia e cortes ásperos. Nas conversas, ele não perde nenhum momento de percepção ou anedota, como um narrador épico imaginário. Mas as mais de 170 entrevistas concedidas por Müller, ordenadas de forma cronológica, deixam também entrever como a forma e a função de suas conversas foram se modificando nas três décadas", analisa o diário berlinense taz.
Adepto da entrevista como encenação pública, Müller "não silenciava como Beckett, mesmo que Beckett tenha sido o único contemporâneo apreciado ocultamente por ele – ou invejado, o que acaba dando no mesmo quando se trata de escritores. Mas suas entrevistas são tudo exceto informações indefesas sobre si próprio. Todos os pontos, citações, anedotas, aforismos e cinismos encobrem sempre algo mais. Poderia se dizer que Müller domina a arte de silenciar ao falar", observa o jornal Der Tagesspiegel.
Fragmentos
Num cenário em que muitos apostavam que sua obra seria brevemente esquecida, enquanto outros até acreditavam que seu apartamento em Berlim Oriental se transformaria num museu com filas de admiradores na porta, a obra de Heiner Müller persiste, embora sua figura emblemática esteja "meio esquecida", como assinala o diário taz. Mesmo assim, após sua morte em 1995, houve entre 20 a 30 novas encenações de suas peças a cada ano.
No entanto, "a estatística revela que seus textos são utilizados cada vez mais em colagens, atrelados a obras de outros autores. Supõe-se que seus dramas irão sobreviver principalmente como material, em forma de fragmentos", aponta o jornal Süddeutsche Zeitung ao relembrar a data em que o dramaturgo completaria 80 anos.
Alguns desses fragmentos, há de se notar, são até hoje, 13 anos após a morte do autor, lembrados com frequência. Entre estes está sua frase a respeito da compreensão de seus escritos: "O texto é sempre mais inteligente que o autor, quando este é bom", afirmou o dramaturgo certa vez ao comentar a interpretação de uma de suas peças.