Escola de Música da Rocinha
23 de novembro de 2006O bairro de São Conrado, um dos pontos mais nobres do Rio de Janeiro, é um símbolo da divisão da cidade entre ricos e pobres. À beira da praia, edifícios de apartamentos, hotéis e restaurantes de luxo; ao fundo, os casebres miseráveis da Rocinha, considerada a maior favela da América Latina e conhecida como palco de guerras entre gangues do tráfico de drogas.
Um dos 150 mil moradores (estimativa) do morro é Daniel Vinicius, 18 anos, filho de cearenses. O pai é cozinheiro em Copacabana; a mãe, professora de primário "sem formação". Ele conta que, graças aos bons conselhos dos pais e aos cursos da Escola de Música da Rocinha (EMR), conseguiu resistir às "tentações do tráfico" e hoje sonha em dar o salto da favela à faculdade.
"Estou fazendo o supletivo para concluir o segundo grau. Penso em fazer um curso superior na área de música", revela.
Daniel acredita ter "um pouco de música no sangue" (o pai tocava em banda de forró), mas que, sem os cursos feitos nos últimos três anos na EMR, não estaria sonhando em ser músico profissional.
"Nossa meta não é a profissionalização, mas de vez em quando descobrimos verdadeiros talentos. O Daniel é um deles e merece ser fomentado", diz o professor de violão e flauta doce e coordenador da escola, Gilberto Figueiredo.
Doações alemãs
Fundada em 1994 por Hans Ulrich Koch, então professor da elitista Escola Corcovado (de ensino bilíngüe português/alemão), a EMR começou com 14 alunos. Hoje atende a 450 crianças e jovens matriculados em cursos de flauta doce, violão, cavaquinho, piano, teclado, percussão e canto coral.
Só são admitidos alunos com idade entre 7 e 16 anos (uma vez dentro, pode-se continuar os cursos além da idade máxima), que morem na Rocinha ou nas vizinhas favelas do Vidigal e Vila Canoas e freqüentem o ensino público ou estejam fora da escola por abandono.
As aulas são dadas por cinco professores e 14 mentores, entre eles, jovens formados pela instituição. A escola oferece também aulas de francês, alemão e inglês, ministradas por voluntários. "Algumas atividades estão suspensas por falta de recursos", diz Figueiredo.
Depois de passar por salas cedidas por uma igreja e pela Escola de Samba da Rocinha, há dois anos, a EMR funciona num espaço cedido pela prefeitura, no 17º andar do Centro de Cidadania Rinaldo de Lamare, em frente à favela.
A escola vive de doações conseguidas por Koch na Alemanha e da renda gerada por apresentações dos alunos. "No ano passado, tivemos pela primeira vez um patrocinador privado para um projeto. No momento, estamos negociando uma parceria com a Petrobras para cobrir 20% do custo mensal, que é de aproximadamente R$ 14 mil", relata o coordenador.
Intercâmbio musical
Hans Ulrich Koch voltou à Alemanha em 1997. Mora em Tauberbischofsheim, no nordeste de Baden-Württemberg, mas viaja freqüentemente ao Rio, onde ainda faz parte da coordenação da escola. Ao mesmo tempo em que realiza campanhas e organiza eventos para arrecadar fundos na Alemanha, convida alemães a conhecer o projeto in loco no Brasil.
No começo deste ano, levou a Orquestra Sinfônica Juvenil de Bad Mergentheim para realizar oito concertos beneficentes no Estado do Rio de Janeiro, alguns deles transmitidos pela tv. Um ex-aluno da EMR organizou um worshop de percussão para os jovens músicos alemães.
Segundo Figueiredo, a Escola de Música da Rocinha realiza em torno de 25 apresentações públicas por ano e já participou de gravações com estrelas como Luís Melodia e João Bosco. Em 2003, fez uma turnê com 25 shows pela Alemanha.
O grupo contou com o apoio do Musik Pool Mainz, uma rede de músicos autônomos da Alemanha. Um banco alemão comprou os direitos de um CD gravado às pressas antes da viagem e distribuiu cópias para clientes de todo o mundo.
Vencendo a violência
Koch vê "sua" escola no Rio hoje como "instituição sociocultural, mas que continua fiel à sua meta inicial: tirar as crianças desamparadas da rua, oferecer-lhes uma ocupação com valores culturais e uma formação educacional complementar à escola".
"A música é também um ótimo instrumento para reduzir a violência. Muitos alunos vêm com um histórico de fracasso e revolta na escola regular. Aqui eles se inserem numa atividade de sucesso e aumentam a auto-estima para lidar melhor com os problemas enfrentados na escola e em casa", diz Figueiredo, licenciado em Música e pós-graduado em Psicologia pela USP, com um trabalho sobre violência doméstica contra crianças e adolescentes.
Ele explica que o trabalho da EMR é principalmente preventivo. "A gente não ganha sempre. Também recebemos notícias de ex-alunos que caíram no tráfico ou na prostituição", lamenta. No caso de Daniel Vinicius, ele está confiante de que se trata de uma vitória duradoura da escola.