Nova vacina?
10 de agosto de 2010No interior de um laboratório, em incubadoras cuidadosamente isoladas, mosquitos transmissores da malária, podem, desta vez, ajudar em sua erradicação.
Kai Matuschewski e sua equipe de pesquisadores do Instituto Max Planck de Biologia da Infecção, em Berlim, usaram mosquitos para infectar cobaias com a malária. Ao mesmo tempo, os ratos receberam antibióticos por três dias. Resultado: os animais não apresentaram sinais da doença.
Matuschewski acredita que sua equipe pode ter descoberto a primeira vacina contra malária "livre de agulha". A pesquisa do grupo foi publicada em julho passado no periódico Science Translational Medicine.
Se ficar comprovada a sua eficácia, a vacina usaria uma combinação de drogas e o próprio mosquito para prevenir a doença. O fato pode ser uma bênção para bilhões de pessoas no mundo todo que estão sob o risco de contaminação da malária. Segundo o pesquisador, a ideia do estudo era "combinar o aspecto clássico da profilaxia, que é o tratamento antibiótico, com a exposição natural."
"O mosquito é uma espécie de seringa que transmite a doença. e nós impedimos o parasita de crescer no fígado por meio de antibióticos profiláticos", explica Matuschewski.
Teste em cobaias
Quando o mosquito transmissor da malária se alimenta, ou seja, quando pica a vítima, ele injeta protozoários do gênero Plasmodium ainda na fase evolutiva, classificados como esporozoítas. No caso brasileiro, destacam-se três espécies do parasita: o P. falciparum, o P. vivax e o P. malarie. Cada uma de suas espécies determina aspectos clínicos diferentes para a enfermidade.
Em comum, todas as espécies de Plasmodium atacam células do fígado e glóbulos vermelhos (hemácias), que são destruídos ao serem usados para reprodução do protozoário. Uma vez no sangue, os esporozoítas rumam em direção ao fígado, penetram as células hepáticas para se multiplicar e dão origem a outra fase evolutiva, chamada merozoíta.
Uma parte dos merozoítas permanece no fígado e continua a se reproduzir em suas células, a outra cai novamente na corrente sanguínea e adentra as hemácias para seguir com o processo reprodutivo.
Nesse novo estudo dos pesquisadores alemães, os merozoitas continuam a se desenvolver nas células do fígado, mas o antibiótico evita a infecção das hemácias, o que fez com que, no caso dos ratos, os sintomas da malária não aparecessem.
Com o tratamento, os ratos não só deixaram de apresentar a doença, mas também desenvolveram imunidade de longo prazo. Depois da primeira experiência, os ratos foram infectados novamente após 40 dias, quatro e seis meses, no entanto, não receberam a dose de antibióticos. Os animais demonstraram completa proteção contra a malária.
Resistência aos antibióticos
Os antibióticos usados pelos cientistas são a clindamicina e azitromicina: ambos são genéricos, baratos e já se encontram disponíveis. Apesar de essa ser uma boa notícia para os países mais pobres, Michael Knappik, do Centro de Doenças Tropicais e Medicina dos Viajantes de Berlim, ressalta que há desvantagens no uso prolongado de antibióticos.
"Nós adquirimos uma resistência crescente aos remédios que usamos para combater a malária no momento e esse é um grande problema especialmente no Sudeste Asiático. Isso também pode acontecer nesse novo tratamento com antibiótico", explica Knappik.
Para reduzir a probabilidade da resistência ao antibiótico, Matuschewski e sua equipe pretendem aplicar a droga apenas uma vez ao ano: no começo da estação chuvosa. O pesquisador disse que a resistência ao remédio não é tão problemática na África como nos países ocidentais e que, portanto, os benefícios superariam esses temores.
Fase de testes
Se obtiver sucesso, o novo tratamento pode reduzir dramaticamente o número de mortes provocadas pela malária a cada ano, que hoje chega à casa de um milhão.
Anualmente, cerca de 600 alemães contraem a doença – Sebastian Hofmann fez parte desse grupo. Sete anos atrás, aos 19 anos, Hofmann fez um mochilão pelo oeste africano e, apesar de ter adotado as medidas preventivas usuais contra a malária (remédios, repelente contra insetos e mosqueteira), ele foi contaminado.
"Eu tive alucinações. Eu transpirava, eu achava que, de alguma maneira, estava num estado alcoólico, ou que estava com um resfriado muito forte", relembra Hofmann. Ele contraiu o pior tipo da malária e ficou em coma por três dias, mas se recuperou.
Apesar de o novo tratamento não ser indicado para viajantes em geral, já que é preciso ser primeiramente contaminado pela malária para que o tratamento funcione, o novo método pode fazer a diferença para pessoas que vivem em regiões afetadas.
Infecção é parte da solução
"Em áreas endêmicas como o Quênia, no leste africano, as pessoas vivem lá por 20 anos, são infectadas até 100 vezes ao ano e sempre desenvolvem parasitas. Então, conseguir algo com uma imunidade antiparasitária é praticamente impossível. Então o que nós queremos é a proteção contra a doença", justifica Matuschewski.
Segundo o cientista, mesmo no caso de crianças que dormem protegidas diariamente por mosquiteiros, em regiões de incidência de malária, essa medida somente retarda a exposição à doença e os subsequentes sintomas e complicações.
Em vez de prevenir as mordidas do mosquito, o que é quase impossível, o novo tratamento usa a infecção como parte da solução, em combinação com os antibióticos. E por essas drogas já existirem, Matuschewski e seus pesquisadores esperam começar os testes clínicos na região subsaariana até meados do ano que vem.
Apesar da empolgação diante dos resultados, cientistas como Johannes Friesen, também integrante do Instituto Max Planck de Biologia da Infecção, ressaltam com cuidado que essa pesquisa é apenas "um componente na luta contra a doença."
Autoras: Cinnamon Nippard / Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque