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Alemães votam: apenas uma "questão de gosto"?

(sv)4 de agosto de 2005

A atual campanha eleitoral na Alemanha, talvez porque preparada "às pressas", ganha ares norte-americanos: a mídia disseca os candidatos de forma pessoal e até as cores dos partidos ganham maior relevância.

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Em breve, troca de lugar na fila?Foto: dpa - Bildfunk

Acostumados a olhar com desdém para as campanhas eleitorais nas corridas à Casa Branca, os alemães estão, depois do anúncio de eleições antecipadas, agendadas para o 18 de setembro próximo, percebendo que no país a escolha de um governante também pode ser feita de forma "subjetiva".

Para isso, a mídia cumpre seu papel: discutir desde o (ou a falta de) gosto da candidata da oposição, Angela Merkel, para se vestir, até os trejeitos do atual chanceler federal, Gerhard Schröder. Na descrença de que a vitória de um ou outro partido possa trazer mudanças substanciais aos rumos do país, os eleitores vêem os candidatos como meros protagonistas no palco político. Resta saber quem vai se sair melhor representando seu papel.

Debate na TV: "teatro do absurdo"

Um sintoma do espetáculo em que se transforma a campanha eleitoral são as infindáveis discussões sobre o número e a forma de debates entre os dois candidatos. Um embate frente às câmeras, marcado para o próximo 4 de setembro, é chamado pelo diário Süddeutsche Zeitung de "um grande teatro do absurdo". Um encontro que, na verdade, só acontece por insistência do atual chanceler, mais treinado e competente no jogo midiático que sua adversária.

Merkel e a União Democrata Cristã, seu partido, se recusaram terminantemente a aceitar um segundo debate. "Por que ela deveria dar ao chanceler federal uma segunda chance num campo favorável a ele?", observa o Süddeutsche Zeitung. Afinal, não é segredo para ninguém que a candidata tem seus problemas quando se encontra nos estúdios de TV.

Pressekonferenz Schröder
Schröder: treinado para as câmerasFoto: dpa - Bildfunk

Enquanto Schröder, por sua vez, sabe se comportar, quando quer, como um pop star. Além de vir treinando assiduamente com passagens regulares por vários programas de entrevistas nos canais de direito público. "Se Merkel não tem tempo nem coragem para participar de dois debates pela TV, então haverá apenas um", alfinetou Béla Anda, o atual porta-voz do governo.

Especialistas também alertam, como os autores da publicação Eleitores na Democracia das Mídias, citada pelo diário Der Tagesspiegel: Merkel deveria deixar os embates frentes às câmeras de lado. Pois os eleitores de hoje tomam suas decisões de forma "cada vez mais pessoal, emocional, menos guiada por temas específicos e mais irracional".

A gafe "bruto e líqüido"

Exatamente por isso não há nada mais útil que aproveitar cada escorregadela de um lado e de outro. Como o dilema do "bruto e líqüido", um erro cometido por Merkel em entrevista à revista de variedades Bunte e repetido num programa de TV.

Nas duas ocasiões, a candidata da oposição se confundiu ao afirmar que uma redução nos encargos sociais dos trabalhadores no país, proposta por seu partido, resultaria numa diminuição dos salários brutos. Um erro, pois a mencionada redução nos encargos sociais provocaria, sim, um aumento dos salários líqüidos.

Se o primeiro escorregão passou quase despercebido, o segundo, frente às câmeras do canal de TV de direito público ARD, não foi perdoado e acabou nas páginas de todos os jornais. A própria União Democrata Cristã, ao colocar em seu website a entrevista de sua candidata, trocou o som das palavras, omitindo o bruto e introduzindo o líqüido. Até que a coisa tomasse tamanha proporção, se tornasse assunto de discussão pública e a entrevista sumisse das páginas da CDU.

Uma "descida do cume da boa imagem", anuncia o diário Frankfurter Rundschau. "A série de panes de Merkel deixa a CDU nervosa", estampa o Süddeutsche Zeitung, anunciando que diante das gafes é compreensível que a candidata não queira participar de dois debates televisivos, se é que ela gostaria de tomar parte até mesmo de um.

Poucas palavras em nome das mulheres

Uma das possibilidades de Merkel escapar do policiamento dos vocábulos poderia ser certamente o apelo à discussão de gênero. O problema é que a candidata, em seu discurso político, "toca ainda menos em temas pertinentes às mulheres que seu opositor", observa o diário Der Tagesspiegel. "Como toda primeira mulher, Merkel paga o preço de sua ascensão em estruturas dominadas pelo homem. Ela se tornou presidente do partido democrata-cristão mesmo deixando de lado os temas relacionados às mulheres. O partido sabe disso e compensa suas deficiências com outras pessoas."

A estratégia da CDU é combinar nos quadros do partido Merkel, mulher sem filhos no topo da política, com a figura de Ursula von der Leyen, filha de família rica, mãe de sete filhos e profissional bem-sucedida. O problema é que tanto uma quanto a outra, resume o jornal, estão longe da realidade da mulher comum no país, que se esforça – apesar da má vontade do Estado – em conciliar filhos e profissão.

O resultado na guerra eleitoral pessoal que se trava é que Schröder conta possivelmente com uma maioria de eleitoras, enquanto Merkel possui entre seus eleitores um contingente maior de homens.

Marrom envelhecido x laranja-retrô

Angela Merkel in Bayreuth
Merkel em Bayreuth: vestido cor-de-rosa para o deleite da mídiaFoto: AP

E, como se não bastassem todos esses detalhes, a mídia alemã discute durante a campanha-relâmpago até mesmo o gosto musical dos candidatos ao governo do país. A predileção de Merkel por Wagner e seus figurinos kitsch em visitas a Bayreuth, seus comentários supericiais sobre ópera e seu absoluto desconhecimento da cultura pop são abordados sem pudores. Inclusive as palavras da própria, num dos raros momentos em que se expôs pessoalmente, ao confessar que seu contato com a cultura pop se resume a um velho LP dos Beatles, comprado na Rússia quando ainda era adolescente na Alemanha Oriental.

"Ela é uma gracinha", ironiza o sarcástico diretor de teatro Christoph Schlingensief em entrevista ao semanário Die Zeit. Uma personalidade sem "pontos fixos estéticos", analisa o Süddeutsche Zeitung. Uma prova de que as eleições são vistas como um "problema estético". Uma luta travada entre o "marrom envelhecido" do SPD e o "laranja retrô" da CDU. Todos longe do azul, que poderia ser entendido como uma alusão às campanhas norte-americanas.

Prova de força de última hora

Enfim, uma campanha que começa e termina em meras seis semanas, numa enorme prova de força para candidatos, partidos, publicitários e marqueteiros ao redor. Com um orçamento (inferior ao do último pleito em 2002) de 25 milhões de euros (SPD) e 23 milhões (CDU). As previsões, porém, são claras.

"As vantagens de Merkel e dos partidos que a apóiam são tão claras em relação à coalizão social-democrata-verde que, apesar de bruto aqui e líqüido acolá, ela será provavelmente a próxima chanceler do país", profetiza o Der Tagesspiegel. Mesmo que Schröder saiba, não resta dúvida, posar melhor de super star.