Alemães à procura de uma nova pátria no Brasil
10 de março de 2004A exposição itinerante "O Brasil não é longe daqui" tem Karen Lisboa como curadora e é uma verdadeira lição da história da imigração alemã, que completa 180 anos em 2004. Organizada pelo Instituto Cultural Brasileiro na Alemanha (Icbra), em Berlim, ela consiste em painéis explicativos e reproduções de fotografias que traçam um panorama da emigração alemã para o Brasil. Vindos do Hunsrück e de outras regiões, os alemães cruzaram o Atlântico em busca de uma nova pátria e de melhores condições de vida.
Os documentos e fotografias foram obtidos através de várias pessoas e junto a instituições alemãs e brasileiras, como o Museu Histórico de Bremerhaven, cidade portuária no norte da Alemanha, o Arquivo Histórico do Estado do Espírito Santo, a Sociedade Blumenau e o Memorial do Imigrante em São Paulo.
A imigração em filmes
Os visitantes também podem assistir três filmes ligados à temática: o documentário dos tempos do cinema mudo (1920) "Surgimento de uma colônia alemã no Brasil", que descreve em imagens e legendas as várias etapas, desde a chegada à região da futura colônia, o desmatamento e a construção das primeiras casas até a lavoura.
"Como se o tempo tivesse parado", de Gernot Schley, mostra o cotidiano de uma família de agricultores descedentes de pomeranos que se fixaram no sul do Brasil no século 19. E como são transmitidas de geração a geração as tradições de cultivo do solo, criação de animais e elaboração dos alimentos. O terceiro é "Jacobina", de Wolf Gauer e Jorge Bodansky, de 1978, um filme histórico sobre a seita religiosa dos "Muckers" fundada por Jakobine Maurer por volta de 1870 no Rio Grande do Sul.
Brasil queria população e mão-de-obra
Uma política de imigração só surgiu no Brasil a partir da independência em 1822, embora antes disso suíços tivessem fundado Nova Friburgo (RJ) e alemães a colônia Leopoldina, na Bahia. Importante na vinda de alemães ao Brasil foi o papel da Imperatriz Leopoldina, que era da poderosa dinastia dos Habsburg.
O Brasil tinha basicamente dois interesses na imigração: povoar regiões de pouca densidade demográfica, a fim de firmar as fronteiras. A idéia era também que a criação de pequenas propriedades e estruturas tipicamente familiares dessem impulso ao mercado interno. Por outro lado, os latifundiários precisavam de mão-de-obra sobretudo para a lavoura do café e após a abolição da escravidão (1850).
As várias ondas de imigração
Como não houve um registro sistemático das autoridades brasileiras, só há estimativas do número dos imigrantes alemães. Elas variam de 235 mil a 280 mil no período de 1824 a 1940. Até meados do século 19, a maioria dos imigrantes era procedente do sudoeste da Alemanha. Por volta de 1820 houve uma grande onda de emigração do Hunsrück, do Sarre e do Palatinado. Foram 4800 hunsrüquianos ao Brasil entre 1824 e 1829.
Em São Leopoldo e arredores ainda hoje em dia se encontra descendentes desses colonos que falam o dialeto dessa região. Mas o alemão falado pelos colonos também sofreu a influência das palavras novas do português, resultando numa curiosa simbiose, como documenta a exposição, através de uma lista de termos alemães emprestados do português. "Baderne", por exemplo, a nossa baderna, usado em vez de Unordnung, como manda o alemão não bagunçado.
Os pioneiros e sua contribuição
A partir de 1850 aumentou a emigração do norte e do leste da Alemanha. Grandes ondas migratórias houve em 1870, 1890 e, sobretudo, entre 1920 e 1930. No entanto, a emigração alemã não chegou a ser numericamente tão representativa quanto a portuguesa, espanhola ou italiana. Seu significado, porém, foi grande, pois coube-lhes o trabalho pioneiro de desbravarem sozinhos o sul do Brasil e estabelecer as primeiras lavouras, até que os demais chegassem, a partir de 1870.
E ali construir também suas escolas, pois ainda não se podia falar de um sistema escolar brasileiro no século 19. Quem sabia um pouco mais, trocava a enxada pela lousa e o giz. ..."há aulas em todas as picadas, mas com muita interrupção; uma vez é o professor que não tem tempo, outra é a criança e, mal começa a escola, vem o tempo de colher", escreveu Peter Tatsch, do Hunsrück, que foi parar em São Leopoldo, à sua família na Alemanha.
A fé protestante na bagagem
As primeiras igrejas protestantes também estão documentadas na exposição. No início, elas não podiam ter torres nem sinos, proibição que só acabou com a proclamação da República e a separação entre o Estado e a Igreja. Uma foto mostra a de Campinho, hoje Domingos Martins, no Espírito Santo.
Construída em 1887, ela foi a primeira igreja luterana a ser erguida com uma torre, apesar da proibição. A igreja representou um papel importante na vida social dos imigrantes, principalmente no tocante a escolas, à conservação das festas, tradições e do idioma alemão.
Assimilação e nacionalização
Em mais de um século de imigração, os alemães e seus descendentes acabaram criando uma cultura que pode ser chamada de teuto-brasileira. Conforme a região em que se fixaram, eles estiveram expostos às mudanças resultantes do processo de adaptação à sociedade brasileira e convívio com outras nacionalidades. A assimilação foi mais rápida nos grandes centros urbanos.
Mas também houve problemas de integração e dificuldades, principalmente durante a Primeira Guerra Mundial, a campanha de nacionalização do governo brasileiro no final da década de 30 e também durante a Segunda Guerra Mundial. O uso do idioma alemão em público chegou a ser proibido, assim como escolas, associações e publicações. A partir de 1945 foram suspensas as proibições.
Consta que onde há três alemães com o mesmo interesse, funda-se uma associação. E no Brasil não foi diferente, surgindo principalmente as associações de ginástica, canto e atiradores, conforme o modelo das Turnvereine, Gesangvereine e Schützenvereine. Uma foto de Curitiba mostra o grande casarão que abrigou a Liga Alemã de Cantores, em 1887.
Cidades, indústria e comércio
Na parte referente ao desenvolvimento das cidades, a exposição mostra reproduções de quadros antigos e fotografias, documentando como surgiram Blumenau, fundada em 1850 e resultando de uma colônia particular, Joinville (SC), antes Kolonie Dona Francisca, Novo Hamburgo (RS) e Petrópolis (1846). Não foi apenas a agricultura que propiciou o surgimento das cidades. Os colonos alemães também eram exímios artesãos e aos poucos surgiram microempresas e as primeiras indústrias.
No início do século 20 surgiram também empresas alemãs em cidades como Porto Alegre, Curitiba, Rio Grande e Florianópolis. A São Paulo de 1890 tinha 2500 alemães entre seus 50 mil habitantes. Eles controlavam 18% dos ofícios, 19% da indústria e 7% do comércio naquela época. Outros painéis da exposição abordam a contribuição alemã para a agricultura e as técnicas de construção de casas. E não podiam faltar detalhes sobre a "viagem rumo ao desconhecido", os barcos e companhias que trouxeram os imigrantes, sua chegada e as hospedarias onde passaram os primeiros dias na sua nova pátria.
Roteiro da exposição
Até o dia 28 de março, "O Brasil não é longe daqui" pode ser visto em Berlim. Depois, segundo o Icbra, seu roteiro deve ser o seguinte:
- Boppard (2 a 27 de abril),
- Frankfurt (30 de abril a 8 de junho),
- Simmern (11 de junho a 20 de julho),
- Berlim novamente (23 de julho a 17 de agosto),
- Idar-Oberstein (20 de agosto a 28 de setembro),
- Kaiserslautern (1º a 26 de outubro),
- Weiskirchen (29 de outubro a 23 de novembro)
Texto originalmente publicado em 2004