América Latina é região-chave para futuro da Igreja Católica
14 de março de 2013A surpreendente escolha do argentino Jorge Mario Bergoglio como Papa marca uma mudança de foco da Igreja Católica em direção a uma região fundamental para o seu futuro. O Vaticano tem na Europa a sua sede, seu bastião histórico e sua principal fonte de renda, mas há tempos que a América Latina é sua principal base de fiéis – e talvez a chave para retomar o prestígio de antes.
Enquanto, no último século, o número de católicos europeus caiu pela metade e hoje representa apenas 25% do total mundial, na América Latina a tendência é oposta. Na região já se concentram 42% dos fiéis do planeta, e estima-se que até 2050 esse número terá crescido mais de 40%.
Para ser mantida, no entanto, essa progressão demanda atenção – e a Igreja parece finalmente ter tomado ciência disso. Muitos fiéis dizem já não se enquadrarem mais nos estritos parâmetros impostos pelo catolicismo romano, e vêm buscando abrigo em Igrejas evangélicas e pentecostais ou mesmo no agnosticismo.
"Com essa escolha, seremos uma Igreja mundial", declarou à DW o padre Bernd Klaschka, diretor da organização católica Adveniat, que atua na América Latina em nome da Conferência Episcopal da Alemanha. "Ela mostra a confiança no desenvolvimento da Igreja Católica na América Latina. O novo Papa vai conquistar os corações com sua postura simples e discreta."
Aproximação com fiéis
Francisco é conhecido pela personalidade discreta, pela forma simples com que prega e pela conexão com os pobres – de certa forma um contraste com seu antecessor, muitas vezes criticado por não falar a língua do povo. Mas o argentino compartilha muitas das mesmas posturas conservadoras de Bento 16 e é improvável que tome medidas drásticas em temas como o aborto, o casamento gay ou a ordenação de mulheres.
Especialistas dizem que, devido a suas posições conservadoras centenárias, a Igreja é vista por muitos, especialmente pelos mais jovens, como um corpo estranho e distante. E, em defesa de uma reaproximação com esses fiéis, há basicamente duas linhas de pensamento dentro do Vaticano.
Uma propõe o regresso às essências do catolicismo, tomando a aplicação estrita da educação católica como cavalo-de-batalha e rechaçando mudanças drásticas, como a aceitação do uso de anticoncepcionais. Outra corrente defende a manutenção dessas essências, mas de forma adaptada à realidade moderna – como é o caso dos episcopados que aceitam o uso da pílula do dia seguinte por mulheres vítimas de estupro.
O papa Francisco, de 76 anos, terá que buscar uma síntese entre ambas as tendências, o que não será fácil. Sua escolha surpreendeu também aos que esperavam um pontífice mais jovem, capaz de dar energia à Igreja num momento de escândalos que minam sua autoridade moral, de crise de governança interna, do crescimento dos evangélicos e da crescente falta de novos padres.
"O primeiro movimento é caminhar"
No Brasil, maior país católico do mundo, o número de padres ordenados até cresceu (de 16.700 para 22 mil), mas a cifra é ainda baixa comparada à população nacional e à quantidade de paróquias e dioceses. A situação se repete na Europa – que chegou a importar prelados latino-americanos –, nos Estados Unidos e nos demais países da América Latina, como a Argentina do papa Francisco.
"Em Buenos Aires há paróquias com 80 mil a 90 mil membros", diz Klaschka, em referência à proporção de fiéis para padres. "Por isso, a formação de leigos deverá ser alta prioridade no papado de Bergoglio." Essa pode ser uma saída, já que o fim do celibato e a ordenação de mulheres parece, pelo menos a médio prazo, fora de questão.
Em sua primeira homilia, o papa Francisco declarou nesta quinta-feira (14/03): "O primeiro movimento é o caminhar. Nossa vida é um caminho e, quando paramos, as coisas não acontecem". A Igreja está diante de uma série de desafios e reconhece que precisa se mover. O primeiro passo já foi dado, com a renúncia de Bento 16, que quebrou uma tradição de mais de 700 anos. O segundo também, com a escolha do primeiro Pontífice jesuíta, latino-americano e único não europeu desde o século 8. Caberá a Francisco tentar tirar a Igreja da inércia que vem-lhe custando caro, nas últimas décadas.
Autoria: Rafael Plaisant Roldão, Astrid Prange de Oliveira
Revisão: Augusto Valente