América Latina
22 de maio de 2010Nem toda a América está comemorando o bicentenário de sua independência da Espanha. É o que acredita Medófilo Forero, historiador das universidades Nacional da Colômbia e de Lomonosov, na Rússia.
"Os indígenas da América não comemoram, eles reclamam há duas décadas insistentemente seus direitos. Eles exigem o respeito a suas identidades culturais porque têm uma experiência negativa na vida republicana posterior à independência", defende o historiador.
Outros, por seu lado, "celebram de forma exaltada, dizendo que se conquistou a liberdade e começou uma nova era", diz Forero. Segundo ele, trata-se dos descendentes dos crioulos, das elites econômicas e políticas. "Por outro lado, entre os mestiços reina notável indiferença. E entre os jovens há certa curiosidade, mas sem entusiasmo", acrescenta.
Forero acredita na importância de marcos históricos para um país. Apesar das diferentes percepções dos latino-americanos, ele vê o bicentenário como uma boa ocasião para se fazer balanços, examinar promessas e planejar o futuro. "Para não cair numa postura niilista sobre a independência do colonialismo espanhol, o melhor a ser feito é incentivar todos a recuperarem a memória dos papéis que desempenharam durante aquele processo, tornando explícitos tanto seus desencantos quanto suas expectativas para o futuro", sugere o historiador.
Um mapa que precisava de vida
A América Hispânica, ou América Latina, como se chamaria desde finais do século 19, se projetou como sujeito histórico, como referência geopolítica; como uma zona do mundo que já não fazia parte de um império, mas com perfil próprio. Este foi desenhado pelo cartógrafo alemão Martin Waldseemüller (1475 – 1521) em sua Cosmographiae universalis introductio (1507). Ele chamou a "nova terra" de América, em homenagem a Américo Vespúcio, considerado pelo alemão o "verdadeiro descobridor" do continente.
A independência foi o processo durante o qual se manifestou pela primeira vez, um sentimento latino-americano que incorporou elementos da hegemonia cultural, do pensamento liberal no mundo da época e do Iluminismo. Ao menos nos países andinos, esse pensamento foi contextualizado e reformulado por Santander e por Simón Bolívar.
A Espanha busca mercados; a América Latina, democracia
No século 19, a derrota do colonialismo espanhol em solo americano gerou uma crise que levou à reorganização da sociedade, conta Medófilo Forero: "A busca da revitalização da economia deu origem a novas dependências – não mais políticas, e sim econômicas".
O século 20 terminou com um panorama diversificado na América Latina. Enquanto na década de 1990 apenas Cuba vivia sob um regime socialista, hoje há regimes de esquerda e alternativos como os da Venezuela, Equador, Bolívia, Nicarágua, Uruguai e inclusive o Brasil. Outros sistemas optaram por uma economia neoliberal, como Colômbia, México e Peru.
Afinal, quão dependente da Espanha é a América Latina atualmente? "Hoje, a América Latina é mais independente do que dependente da Espanha", responde o historiador Forero, que também é professor visitante em universidades do Equador, Venezuela e Espanha, além de ser colunista da revista colombiana de análises políticas Razón Pública. "Apesar de já ter recebido ajuda da União Europeia e ter alcançado certos níveis de desenvolvimento, a Espanha não pode ser referência para a construção de um sistema de dependências", avalia Forero.
Pouca força da Espanha na UE
Forero lembra que na Espanha há quem cultive o sonho de se formar uma zona natural de inversão e interesses econômicos na América Hispânica. Tal ideia foi insistentemente defendida no final do século 19 por uma organização chamada União Ibero-americana durante os preparativos para a comemoração dos quatro séculos do descobrimento da América.
"A Espanha acredita ter a função de porta-voz da América Latina diante da União Europeia", comenta Forero, "mas a América Latina não se beneficiou dessa pretensão porque a Espanha não tem força suficiente dentro da União Europeia para cumprir tal mediação".
Passado e futuro
Para o historiador, algo marcante aconteceu durante um encontro sobre o bicentenário da independência realizado em Quito, no Equador, em 2008: "A delegação espanhola apresentou um vídeo com a típica narrativa das remessas de ouro e prata em direção à Espanha e chegando até os problemas da dívida externa da América Latina na década de 1980. Após a projeção, um historiador mexicano se levantou e disse que a comemoração do bicentenário não é ocasião para se olhar para o passado, mas sim para o futuro".
Ao que Forero teria retrucado: "Já que se trata de olharmos para o futuro e a Espanha acredita ser o porta-voz natural da América Latina, a mesma comissão espanhola do bicentenário deveria começar a propor de maneira concreta a todos os países da União Europeia uma melhoria no tratamento da imigração latino-americana. Isso poderia começar com um acordo entre a Espanha e o resto da Europa". A resposta da delegação espanhola teria sido: "Ora, isto não é da nossa incumbência!"
A América Latina precisa de intermediários?
Além da falta de vontade de interceder pela América Latina no Parlamento Europeu e diante dos governos dos 27 países da União, a Espanha carece de instrumentos para exercer de fato a função de intermediação a favor da América Latina. Mas o subcontinente precisa mesmo de intermediários após 200 anos de sua independência?
Em novembro de 2009, Forero ministrou um seminário sobre o colapso do Império Espanhol e as formas de colonialismo no mundo. Durante o encontro, realizado em Bogotá, na Colômbia, o historiador defendeu: "Neste bicentenário, devemos recordar que as guerras de emancipação foram um processo continental. Os países latino-americanos não se libertaram sozinhos porque não existiam como tais, e sim como reinos dentro do império. Foi graças à associação multirregional formada por povos que se chegou à independência".
Forero diz que "o ideal é que cada país assuma o seu próprio papel de lutar por seus próprios direitos e interesses, mas o único país na América Latina com capacidade de ser porta-voz é o Brasil, que pertence ao BRIC", referindo-se ao grupo de países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China. Para o historiador, é países como o Brasil não estão esperando por Lisboa ou Madri para terem acesso ao mundo.
É preciso constituir acordos de integração para que a América Latina "jogue na arena planetária como um time só", propõe Medófilo Forero. "Libertar-se não é se entregar a um esquema autárquico, mas buscar relações igualitárias baseadas na cooperação e na complementaridade, em vez de fomentar jogos hegemônicos", conclui.
Autor: José Ospina-Valencia (eh)
Revisão: Roselaine Wandscheer