2014 foi ano turbulento para a União Europeia
28 de dezembro de 2014Era um desastre político já anunciado: o descontentamento que há tempo se desenvolvia na Europa mostrou sua força em maio, nas eleições para o Parlamento comunitário. Eurocéticos, populistas de direita e partidos abertamente hostis à comunidade europeia celebraram resultados históricos – chegando a ganhar o pleito na França, na Dinamarca e no Reino Unido.
Em diferentes níveis, as plataformas pediam menos Europa e mais Estados nacionais. Na França, a Frente Nacional quer a saída da zona do euro e a volta do franco; no Reino Unido, o Partido da Independência (Ukip) quer o país fora da União Europeia. Em comum, esses movimentos têm sua demanda por menos imigração. E se tivesse poder para tal, limitariam até a livre circulação na UE.
A força dos insatisfeitos
Os eurocéticos podem até ter problemas para formar uma bancada de direita de maior consenso, mas vêm obtendo sucesso em determinar uma agenda dentro do Parlamento Europeu.
Em 2014, o tema imigração dividiu os membros da UE como nunca antes. Grupos de defesa dos direitos humanos e até o papa Francisco instaram os europeus a receberem mais refugiados de zonas de conflito, como Oriente Médio e Norte da África.
Porém, o sentimento predominante entre esses movimentos era de que o "barco está cheio" – uma bandeira repetidamente levantada pela extrema direita, para quem a UE deixou de se importar com seus próprios cidadãos para se ocupar de problemas alheios.
"A crise do euro foi um fator central – ou pelo menos um elemento catalisador para o sentimento de que a UE está sempre distante demais ou envolvida demais", opina o analista político Janis Emmanouilidis, do instituto EPC, baseado em Bruxelas.
Em nenhum lugar na Europa, porém, o descontentamento foi tão latente quanto no Reino Unido, onde o primeiro-ministro David Cameron vem sofrendo com a pressão do Ukip. Ele já deixou claro que não pode garantir que os britânicos optem por continuar na UE se Bruxelas não promover reformas.
Atualmente, a saída do Reino Unido da UE é considerada algo possível – apesar de o Estado ter demonstrado força com a vitória no referendo sobre a independência da Escócia, rejeitada por 55% da população local.
Apesar de apertado, o resultado foi suficiente para minar os esforços de separatistas em outras regiões da Europa, como a Catalunha e o Tirol do Sul.
A "malaise" francesa
Ainda não há consenso na Europa sobre a melhor forma de enfrentar a crise econômica, que levou o desemprego em alguns países a níveis históricos. Enquanto Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha começaram a se recuperar e deixaram de ser o centro das preocupações, Itália e, sobretudo, França ainda não conseguem evitar as manchetes negativas.
Em Bruxelas, prevalece a dúvida se o melhor caminho seria a Comissão Europeia se manter firme e pedir ainda mais austeridade a Paris, ou dar mais tempo para os franceses se reerguerem, de modo a evitar o crescimento do extremismo de direita como o encarnado pela Frente Nacional.
Segundo Emmanouilidis, a capacidade de recuperação da França ainda é fraca e é provável que o país demore para deixar a crise econômica. O analista diz que o futuro político em Paris é hoje dominado por interrogações, devido especialmente à força da extrema direita.
O problema francês tem, ainda, outra faceta: o ex-ministro das Finanças Pierre Moscovici é hoje o comissário europeu para assuntos econômicos e um dos principais responsáveis por insistir para que o país esteja de acordo com os critérios de estabilidade europeus.
Quando Moscovici foi apontado para o cargo em setembro, muitos disseram que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, havia escolhido um lobo para guardar as ovelhas. E o ex-ministro francês não foi a único a ser criticado: houve descontentamento com o nome de outros comissários devido a supostas faltas de qualificação e possíveis conflito de interesses.
Apesar dos questionamentos, o gabinete de comissários europeus foi confirmado. Em novembro, porém, o próprio Juncker se viu no centro de uma controvérsia após ser revelado que várias multinacionais pouparam milhões de euros por estarem baseadas em Luxemburgo e se beneficiarem de acordos fiscais secretos enquanto ele era primeiro-ministro do país. Politicamente, Juncker sobreviveu às acusações, mas sua credibilidade foi arranhada.
Desestabilização no Leste
A crise que dominou a Europa em 2014 foi, no entanto, a com Moscou. Em março, a Rússia anexou a Crimeia e abriu um processo de desestabilização do leste ucraniano que permanece até hoje. Ex-repúblicas soviéticas, incluindo Estados bálticos e a Polônia, agora temem serem as próximas vítimas.
Ao longo do ano, a UE impôs uma série de sanções à Rússia, mas o conflito ainda está longe de terminar. Com 2014 perto do fim, a volta da antiga parceria com Moscou parece mais distante do que nunca: a ordem pacífica na Europa, que durava desde o fim da Guerra Fria, ruiu aos poucos.
A crise, por outro lado, acabou mostrando aos europeus a importância da solidariedade. Na disputa com a Rússia, os 28 membros da União Europeia se apresentaram como uma frente única como raramente visto antes.
A questão que fica, no entanto, é por quanto tempo os europeus conseguirão se manter unidos frente a Rússia. A crise, opina Emmanouilidis, deixou claro que a Europa é mais forte quando unida – um conceito que parecia se perder no bloco, mas que em 2014 foi trazido de volta à tona.