Entrevista
29 de junho de 2007DW-TV: Seis meses na presidência do Conselho da União Européia, o encontro de cúpula do G8 em Heiligendamm e a maratona de negociações em Bruxelas – a senhora passou por tudo isso. Agora se alegra com as férias?
Angela Merkel: Me alegro, antes de mais nada, com o que alcançamos durante a presidência do Conselho da UE. Foi um período incrivelmente estimulante e desafiador, no qual não apenas eu, mas todos os membros do gabinete obtiveram novas impressões e se empenharam. Trabalhamos de forma bastante cooperativa. Mas, claro, após uma fase tão intensa de trabalho, a expectativa de uns dias de férias não é nada má, embora tenha sido um período de grande prazer.
A senhora foi celebrada como se fosse a Miss Mundo, sua habilidade para negociar foi elogiada dentro e fora da Alemanha. Pessoalmente, a senhora ficou satisfeita? Que balanço pessoal a senhora faz dos últimos meses?
Pessoalmente, também estou bastante satisfeita, pois constatei, ao longo de todas estas negociações, que sempre encontramos amigos, parceiros e pessoas que nos apóiam. Sozinho, nada se alcança no grupo do G8 ou na UE com seus 27 países-membros. Se os outros não acreditam que chegou a hora de tomar certas decisões, então estamos perdidos. Foi uma posição que nunca tomei e essa foi a mais positiva das experiências.
A UE entendeu, assim como o grupo dos países do G8, que há tanta coisa mudando no mundo que, se quisermos defender nossos interesses e continuar sendo precursores em determinados assuntos, temos que nos apresentar de forma coesa. Isso ficará para sempre na memória, pois assim se podem criar forças para a solução de novos problemas.
Nesta imensa agenda, que inclui a reforma da Constituição européia, a proteção climática, a ajuda para África – existem certamente pontos, em que a senhora esperava melhores resultados dos que os obtidos. Que pontos seriam estes?
Nós, como europeus, temos – por exemplo, no G8 – metas mais ambiciosas, mas para mim o principal não é dizer que eu pessoalmente esperava mais, enquanto outros esperavam menos ou, na opinião deles, ainda mais.
O que me enche de satisfação é o fato de que, apesar de defendermos as mais diversas posições, através de encontros pessoais – nada disso seria possível, por exemplo, através de videoconferência, nem o resultado do Conselho da UE nem o do encontro do G8 – conseguimos criar uma atmosfera, onde se diz: nós fizemos, apesar de termos posições diferentes, as coisas de forma conjunta. Todos têm que aceitar um meio-termo, sem sair reclamando do que se teve que abrir mão ou não. Demos juntos um passo à frente, e é isto que conta.
Merkel comenta ainda os novos tratados da União Européia. Leia mais.
O compromisso acertado pela UE prevê um regulamento muito complexo, que permite a cada Estado se manter de fora. Isto não fará inevitavelmente com que os países-membros da UE se desenvolvam em diferentes velocidades?
De acordo com o novo tratado, o Parlamento Europeu terá, como legislador, o mesmo peso – ou quase o mesmo peso – que o Conselho da UE. A Comissão Européia tem direito de sugestão, mas imagine que dela fazem parte 27 comissários, um de cada país. No Parlamento Europeu, há deputados de todos os países. De acordo com os tratados, podemos tomar decisões que nem todos aprovam imediatamente. É o caso do euro, por exemplo, e futuramente será o caso da política do Interior e de Justiça, nas quais sempre haverá a possibilidade de puxar os freios e dizer: isso eu não faço.
Mas isso não pode siginificar que a UE passe a tomar decisões em grupos, fora das bases do tratado, pois isso escaparia ao controle do Parlamento. Eu não posso excluir a metade dos parlamentares da votação só porque eles não pertencem ao grupo dos países que trabalham em conjunto. Ou seja, precisamos de um tratado básico para que, quando quisermos votar algo conjuntamente, conheçamos as regras, sem que se constituam grupos distintos de países que fazem as coisas de maneira diferente.
A Europa das duas velocidades pode ser fato em determinados momentos, mas não é a resposta para a questão de como a UE irá se desenvolver no futuro, combater as mudanças climáticas, discutir o comércio mundial, representar os interesses europeus, proteger a propriedade intelectual no mundo. Isto só pode ser alcançado por uma UE coesa, e não com duas velocidades.
Após o recesso de verão, a política externa será deixada um pouco de lado e a senhora poderá voltar a se dedicar inteiramente à política interna. Como a senhora avalia atualmente o governo com seu parceiro de coalizão, o SPD? Como está o clima na grande coalizão?
Falando francamente, acho esta diferenciação entre política interna e política externa bastante apressada. Há muito poucas coisas que ainda podemos dividir tão facilmente. Ao estabelecer direitos de patente na Alemanha, ao apoiar iniciativas de excelência, ao providenciar para que 3% do nosso PIB seja aplicado em pesquisa, não posso dizer que isto seja política interna, ou não me importo nada com a proteção de nossa propriedade intelectual. Ou seja, política interna e externa em nível europeu estão bastante concatenadas.
Ao avaliarmos a abolição do monopólio dos correios na Alemanha, isto tem conseqüências imediatas na regulamentação européia, no comportamento dos demais países europeus. A meu ver, diz sem pensar quem reclama de que para alguns se estende o tapete vermelho e para outros não. Na política real, isto não acontece mais dessa forma.
Em segundo lugar, ainda temos muito o que fazer na Alemanha em relação ao que podemos regulamentar de forma legislativa. Acabamos de chegar a um acordo quanto à reforma da assistência de saúde caseira. No próximo semestre, discutiremos a possibilidade da participação de trabalhadores e trabalhadoras no lucro das empresas, um projeto gigantesco. Temos ainda que regulamentar o seguro de acidentes. Teremos agora um diálogo sobre energia, e política energética e metas de proteção climática são, em parte, temas muito difíceis de juntar.
Teremos uma cúpula de integração, onde serão apresentados, pela primeira vez, planos coerentes dos estados federados e do governo federal sobre como melhorar a integração em nosso país. Ou seja, a coalizão ainda tem muito o que fazer e eu me alegro muito de que possamos pôr tudo isso em prática, da mesma forma como continuaremos a nos engajar intensivamente em nível europeu.
Em minha última pergunta, gostaria de continuar insistindo neste ponto. A cotação de seu parceiro de coalizão está bastante baixa nas pesquisas de opinião. Ao mesmo tempo, o avanço do Partido de Esquerda representa uma ameaça à existência do seu governo na medida em que se oferece como alternativa de coalizão para o SPD em um governo de esquerda. Para a senhora, isto é motivo de preocupação?
Estou lutando agora para que obtenhamos uma boa maioria no parlamento, maior que a do atual governo de coalizão, para fazer aquilo que as pessoas esperam. A taxa de desemprego está em queda, temos agora menos de 3,8 milhões de desempregados, isto é um imenso sucesso. O desemprego entre os jovens caiu 25% e quanto mais sucessos apresentarmos, mais coesos poderemos atuar na coalizão.
Mais claro ficará também o fato de que outros prometem coisas que não podem cumprir. Isto repercutirá entre os cidadãos. Por isso, sugiro que nos concentremos no próprio trabalho, cumpriamos os desejos e expectativas dos cidadãos, nos voltemos às pessoas deste país, então seremos bem-sucedidos, e não somente um partido do governo, mas ambos.