EUA deixam Europa para trás em crescimento econômico
4 de dezembro de 2014Quinze anos atrás, a resposta do mainstream teria sido imediata e confiante. Na época, os Estados Unidos eram celebrados por seus mercados de trabalho flexíveis, enquanto se dizia que a Europa padecia da rigidez apelidada "eurosclerose".
Num artigo de 1999, citado mais de 2 mil vezes, os economistas Olivier Blanchard e Justin Wolfers argumentavam que essas diferenças de "instituições" condicionavam as reações das duas regiões a "choques externos". Assim, os EUA, com instituições mais flexíveis, iriam se recuperar logo de um evento como a "grande crise financeira", enquanto a Europa possivelmente permaneceria na estagnação.
Mas essa explicação não se sustenta mais, passados 12 anos das chamadas reformas Hartz da Alemanha [nota do editor: conjunto de reformas visando flexibilizar o mercado de trabalho nacional]. Hoje há um amplo setor de baixos salários no país. A desigualdade, antes muito reduzida, cresceu. Há uma enorme pressão sobre os desempregados, para que eles peguem qualquer emprego que lhes seja oferecido.
O mercado de trabalho europeu está muito mais flexível do que era. Ninguém pode argumentar – embora eu suponha que alguns tentem – que a recente aprovação de um salário mínimo, com todas as suas lacunas, tenha restaurado o poder da força de trabalho alemã. E, ainda assim, é a Alemanha que está puxando a zona do euro para baixo.
A atual economia europeia desmente as alegações de que "reformas estruturais" sejam a chave para o crescimento. Experimentaram-se reformas estruturais em toda a Europa: em nenhum lugar elas produziram crescimento. Claro, a implementação muitas vezes fica aquém das promessas. Mas aí cada revés e cada falha em mostrar resultados desencadeia o clamor por mais reformas – a verdadeira marca de um fanático.
Bom para os EUA, ruim para a Europa
Os governos que continuam cooperando o fazem cinicamente: na Grécia, para escapar (até agora, sem sucesso) de um bailout; na Itália, para fortalecer a posição do premiê Matteo Renzi nas negociações com a União Europeia. Nos países atingidos por reformas estruturais, pouquíssimos se iludem de que elas possam funcionar.
O melhor lugar para se começar é o preço da energia, que tem estado baixo nos EUA e muito mais elevado na Europa. Isso se deve, em parte, aos diferentes custos do gás natural, mas muito mais às diferentes taxas de imposto. Em resumo: os europeus estão cobrando os custos sociais da mudança climática, os americanos, não. Isso é bom para o crescimento nos Estados Unidos, ruim para o crescimento na Europa. Para quem pensa que os mercados recompensam a virtude e punem o vício, este é um contraexemplo bastante revelador.
A atual queda do preço do petróleo está elevando o poder de compra interno e, assim, o crescimento nos Estados Unidos; se ela vai fazer o mesmo na Europa, depende da reação dos consumidores, que podem gastar mais em outras mercadorias – ou menos, se esperam uma deflação contínua.
De um jeito ou de outro, quem vai pagar a conta são os produtores de energia de alto custo. Nos EUA, alguns extratores de xisto vão recuar ou falir, e em ambos os continentes, a competitividade das energias renováveis será questionada. Para quem pensa que o petróleo barato é uma bênção inquestionável, os custos climáticos desse repentino desdobramento pedem reflexão.
Uma segunda diferença fundamental está na dependência competitiva em relação à China. Os Estados Unidos compram dela; a Alemanha (mais do que todos na Europa) vende. Assim, uma desaceleração chinesa tem pouco efeito sobre os EUA, exceto pelo aspecto dos custos mais baixos dos recursos mundiais, o que favorece os americanos.
Mas a desaceleração interna da China tira das fabricantes alemãs de máquinas industriais de alto nível o principal mercado em crescimento com que elas esperavam poder contar.
Talvez tudo isso desperte uma necessária atenção aos méritos de novos investimentos públicos, de um "Green New Deal" na Europa. Dada a fraqueza das propostas até agora apresentadas nessa área pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, tal atenção se faz necessária.
Outra diferença fundamental está nas instituições, públicas e financeiras. Apesar da reputação americana de ter um estado de bem-estar social fraco, na crise a previdência social dos Estados Unidos funcionou efetivamente, protegendo dos grandes choques os rendimentos na parte inferior da escada de salários e renda.
Graças a esses "estabilizadores automáticos", os EUA foram capazes de lidar com grandes deficits do orçamento público e, assim, reparar (ao longo do tempo) os balanços do setor orçamentário. Na Europa, esse mecanismo de apoio à demanda total de bens e serviços funcionou nos países ricos, mas foi neutralizado pelas medidas de austeridade nos países em crise; e pioraram os balanços, tanto dos orçamentos familiares quanto das dívidas soberanas. Os países em crise são, na maioria, pequenos, portanto seu efeito sobre a zona euro, como um todo, não é grande. Mas esse efeito existe, e nesses países as condições são catastróficas.
Por fim, após anos de vida pacata, os bancos americanos voltaram agora aos seus velhos truques, até certo ponto. Onde antes havia hipotecas imobiliárias de risco (sub-prime mortages), hoje estão os empréstimos de risco para compras de automóveis (sub-prime car loans) e outras delícias do crédito, incluindo aumento maciço das dívidas estudantis, que não podem ser extintas por falência.
Essas novas dívidas ajudaram a escorar a economia americana – por enquanto. O risco de um ulterior colapso, quando os pedidos de insolvência começarem a dar entrada, é óbvio, mas – como sempre – os reguladores encontram razões para deixar de intervir a tempo.
Um pouco de audácia
Em suma, os EUA experimentam um crescimento baseado sobretudo em preços de energia mais baixos, endividamento privado crescente e um deficit público elástico – confirmando a suposta observação de Otto von Bismarck de que Deus protege os tolos, os bêbados e os Estados Unidos da América.
Enquanto isso, a Alemanha e a Europa sofrem uma desaceleração oriunda de exportações mais fracas, práticas bancárias mais cautelosas e cortes fiscais. A Europa está certa em manter altos os preços da energia e em ter bancos mais conservadores. Mas essa constatação confirma que, se a Europa quiser crescimento, mesmo que lento, ela tem que mudar suas políticas. Austeridade fiscal pública é uma política falida, que tem de ser descartada.
Em especial, a Europa precisa encontrar um modo de implementar novas políticas de reconstrução e investimento em escala continental – incluindo novos esforços para combater as mudanças climáticas – e novas políticas de solidariedade e de apoio à renda para aqueles mais ameaçados e vulneráveis, sobretudo nos países em crise. Especialmente se o mundo todo ganhar agora uma trégua do garrote do aumento dos custos de energia, essa seria a melhor forma de a Europa empregar os dividendos.
O economista americano James Kenneth Galbraith é PhD em economia pelas universidades de Harvard e Yale e professor de relações governamentais e empresariais na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, da Universidade do Texas. Sua publicação mais recente é The end of normal: The great crisis and the future of growth.