Análise: O jogo bonito está (quase) morto
15 de julho de 2018Na falta do que aplaudir, ultimamente os torcedores de futebol podem usar as mãos para se dedicar plenamente ao consumo de batatas chips, pipoca e outras guloseimas. O chamado jogo bonito está praticamente morto. Na Copa do Mundo na Rússia, foi preciso um olhar microscópico para encontrar lances brilhantes, que enaltecem a qualidade técnica de um jogador.
O passe açucarado de calcanhar do francês Kylian Mbappé na semifinal contra a Bélgica, por exemplo, foi uma das exceções. Não é de se admirar que o lance tenha sido celebrado e compartilhado maciçamente nas redes sociais, embora não tenha resultado em gol.
Outros craques, que poderiam ter criado momentos especiais diante do gol – como os astros eleitos cinco vezes como melhores jogadores do mundo Lionel Messi, da Argentina, e Cristiano Ronaldo, de Portugal, ou o postulante ao trono Neymar – despediram-se da Copa com suas seleções antes do esperado. Algo quase sintomático, pois no torneio dominaram as defesas, e não as forças ofensivas.
Pouco espaço para criatividade
"Foi possível observar que as equipes, incluindo aquelas consideradas menores, foram treinadas para ficar na defensiva e fechar os espaços para as equipes adversárias", aponta o professor Daniel Memmert, diretor do Instituto de Ciência do Treinamento e Informática no Esporte da renomada Universidade Alemã de Esportes, em Colônia. "Exceto por talvez um ou dois jogos da Copa do Mundo, o lema era: não sofrer gol."
Como resultado, a Copa do Mundo proporcionou vários jogos que apenas amantes de tática do futebol puderam apreciar e que não corresponderam às altas expectativas em relação ao nível técnico. Até mesmo as duas semifinais não foram exceção.
"Na maioria das vezes faltou criatividade para furar as barreiras defensivas. Se continuamente são usadas as mesmas armas, estas se tornam inofensivas rapidamente", analisa Memmert. "Prova disso é que muitos gols nesta Copa do Mundo foram marcados em jogadas ensaiadas, e não de bola rolando."
O fim do tiki-taka
Cerca de 40% de todos os gols da Copa do Mundo de 2018 resultaram de bolas paradas, ou seja, de cobranças de falta, escanteios, laterais ou pênaltis. No Mundial sediado pelo Brasil, em 2014, foram apenas 26%. A quarta colocada, Inglaterra, por exemplo, marcou nove de seus 12 gols dessa forma.
Também foram bem-sucedidas as seleções que construíram ataques rápidos a partir de uma defesa sólida, com o bom e velho contra-ataque – atualmente chamado de transição – como receita de sucesso.
O tiki-taka, o jogo de passes curtos que os espanhóis aperfeiçoaram e que fora celebrado como deslumbrante por anos, está fora de uso. As três seleções com as maiores médias de posse de bola foram cedo para casa: Alemanha, na fase de grupos, e Espanha e Argentina, nas oitavas de final.
A Copa do Mundo na Rússia mostrou claramente que quem quiser ser bem-sucedido precisa, em primeiro lugar, ser sólido defensivamente. No entanto, muitas equipes dominam isso, e para se destacar da concorrência, é preciso mais.
"Mudanças no ritmo de jogo estão se tornando cada vez mais importantes", afirma Memmert. "As equipes têm que treinar como jogar de forma variável e integrar muitas ideias em seu jogo, a fim de serem mais imprevisíveis para seus oponentes. Há muita coisa para se fazer em termos de criatividade."
Assim, artistas da bola com habilidades técnicas notáveis provavelmente poderão ser mais decisivos num jogo – e fazer com que os torcedores comuns deixem as batatas chips de lado para voltar a aplaudir o jogo bonito.
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