"Ao espionar a Alemanha, os americanos cometem grande erro", diz analista
13 de julho de 2014A revelação de que dois funcionários do governo alemão realizavam atividades de espionagem para serviços de inteligência dos EUA e os desdobramentos do caso, como a expulsão do chefe da inteligência americana em Berlim, têm causado mal-estar na relação entre Alemanha e EUA.
Um dia após a chanceler federal alemã, Angela Merkel, aumentar o tom das críticas aos EUA, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e o ministro do Exterior alemão, Frank-Walter Steinmeier, se encontraram neste domingo (13/07) em Viena e afirmaram que o caso de espionagem não deve afetar as relações entre os dois Estados.
Karsten Voigt, ex-deputado pelo Partido Social-Democrata no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão, afirmou em entrevista à DW que o caso implica realmente um grande desgaste para a relação teuto-americana, e que os americanos estão admirados pelo fato de a Alemanha estar surpreendida com o caso de espionagem.
"Eles só vão mudar sua postura se compreenderem que o proveito que eles obtêm por meio da espionagem é menor do que os prejuízos que ela provoca", afirmou Voigt, que foi encarregado das relações teuto-americanas no Ministério das Relações Exteriores da Alemanha de 1999 a 2010.
Deutsche Welle: Este já é o segundo caso de espionagem que se tornou público – desta vez no Ministério da Defesa. O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, numa entrevista à emissora de televisão Phoenix, chamou a espionagem feita pelos EUA de "burrice", sobre a qual "só resta chorar". Ele tem razão?
Karsten Voigt: Eu formularia de outra forma, já que burrice é entendido como se o caso tivesse acontecido por conta de um descuido dos americanos – o que eu não acredito ter acontecido. Os americanos não observam sua espionagem na Alemanha como um problema.
Trata-se muito mais de um grave erro político que os americanos cometem, já que eles, aparentemente, tomaram a decisão errada na ponderação entre as informações que eles recebem por conta da espionagem e os prejuízos para as relações transatlânticas. Isso significa que eles ainda não entenderam isso. Eles só vão mudar sua postura se compreenderem que o proveito que eles obtêm por meio da espionagem é menor do que os prejuízos que ela provoca.
Ao menos a retórica pelo lado alemão se tornou agora mais aguda e, além disso, o chefe da inteligência americana em Berlim foi expulso da Alemanha. O que isso significa para a continuidade da relação transatlântica?
Eu acredito que isso significa um grande desgaste para a relação teuto-americana. Mas isso não quer dizer que os EUA não continuem sendo nosso principal parceiro fora da União Europeia. Isto é, nós temos que continuar cooperando nas áreas econômica, cultural e política, mas também nas agências de inteligência. De certa maneira, os americanos são, naturalmente, mais importantes para nós do que o contrário, e essa assimetria continua existindo também na área de inteligência.
Em sua opinião, o governo dos EUA percebe que o tom se agravou?
Eu acho que os americanos estão admirados com a nossa surpresa. Eles partem do princípio que nós não somente presumimos que eles ocasionalmente nos espionam, mas que nós também fazemos o mesmo em relação a eles. Quando conto em conversas nos EUA que os alemães não fazem isso, os americanos se mostram sempre surpresos.
Até quatro anos atrás o senhor coordenou as relações teuto-americanas no Ministério das Relações Exteriores em Berlim. O senhor poderia nos dizer o que acontece nos bastidores?
Em primeiro lugar, os políticos alemães vão tentar fazer com que os EUA reconheçam os prejuízos políticos causados pela espionagem. Isso gerou diversos comunicados de imprensa e também a visita da Comissão de Assuntos Externos do Parlamento alemão a Washington. Em segundo lugar, os políticos alemães estão analisando como eles devem reagir agora.
Existe uma série de sugestões sensatas, tais como empreender uma contraespionagem com maior espaço de manobra contra qualquer monitoramento por parte de países do Ocidente e, principalmente, dos EUA. Mas existem também uma série de sugestões nocivas, como, por exemplo, que agora devemos começar a espionar os EUA. Na minha opinião, os prejuízos seriam maiores do que os benefícios, quer dizer, nós somente iríamos repetir os erros dos americanos.
E existem ainda muitas pessoas que sempre foram contra a zona transatlântica de livre-comércio, quer dizer, a área de livre-comércio com os EUA, e agora, após o caso de espionagem, dizem que nós deveríamos interromper as negociações do acordo. Mas isso, na minha opinião, é um absurdo. Ou o acordo é de interesse dos dois lados e então pode ser adotado. Em caso contrário, ele não deve ser assinado. Mas não se deve associá-lo aos atuais acontecimentos.
Até agora, os EUA não demonstraram nenhuma espécie de disposição em modificar suas atividades de espionagem na Alemanha. Em sua opinião, existe algum meio de colocar uma pressão eficiente sobre os americanos?
Além da contraespionagem, eu acredito que não podemos fazer nada além de levar os EUA a reavaliarem o cálculo da relação custo-benefício. Mas nós devemos saber que o aparato de espionagem e os serviços de inteligência desempenham um papel muito maior, nos EUA, do que na Alemanha. Lá, eles são mais abrangentes e têm tarefas que o Departamento Federal de Informações da Alemanha (BND) não tem.
Por exemplo, eles se envolvem na queda de governos estrangeiros, quer dizer, na mudança de regime de outros Estados. Os veículos aéreos não tripulados para reconhecimento não são enviados somente pelo Departamento da Defesa, como acontece com o Ministério da Defesa da Alemanha, mas também pela CIA. E a elite política dos EUA tem, em princípio, uma boa relação com os serviços de inteligência.
A expansão dos serviços de inteligência após 11 de setembro de 2001 recebeu um grande apoio. Nesse ponto, nossas críticas esbarram na incompreensão deles, e nós não poderíamos fazer mais nada, além de tentar conquistar a compreensão dos americanos e nos preparar para o fato de que os EUA, também no futuro, vão nos espionar. Mas, do exterior, nós não podemos mudar a cultura americana dos serviços de inteligência. Isso, só os americanos podem mudar.