Apesar da NSA, negociações de livre-comércio entre UE e EUA devem seguir
29 de outubro de 2013Para a União Europeia, a questão das práticas de espionagem atribuídas à Agência de Segurança Nacional (NSA) americana não deve ser misturada com os negócios. Pelo menos para a Alemanha, o tratado de livre-comércio é mais importante do que as indignações causadas pelo escândalo, como sugeriu na segunda-feira (28/10) um porta-voz da Chancelaria Federal em Berlim.
O porta-voz apenas repetiu o que a própria chanceler já havia esclarecido na cúpula dos líderes da UE na semana passada: as negociações para um acordo de livre-comércio deverão prosseguir apesar da polêmica da NSA. Sua visão foi compartilhada por todos os 28 chefes de Estado e de governo presentes na reunião em Bruxelas.
"Eu pessoalmente sou da opinião de que aqueles que quiserem sair [das conversações] devem também pensar de que modo eles vão retornar mais tarde. Talvez as negociações sejam mais importantes agora, considerando as atuais circunstâncias", afirmou Merkel na última sexta-feira durante a cúpula.
A declaração do porta-voz foi feita em meio aos protestos de setores da União Democrata Cristã (CDU) – partido de Merkel – e do Partido Social-Democrata (SPD) que defendem o congelamento das conversações com os EUA. As duas legendas estão atualmente em negociação para compor a grande coalizão que deverá formar o novo governo da Alemanha.
Um tiro no próprio pé
As conversações com os EUA envolvem um extenso tratado alfandegário e de comércio que – caso seja levado adiante – deverá impulsionar a economia dos dois lados do Atlântico. A iniciativa visa a reduzir barreiras comerciais e uniformizar padrões. A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu já afirmaram que o tratado está entre suas prioridades. O acordo deverá estabelecer a maior zona de livre-comércio do mundo até o fim de 2014.
"Não acho que deveríamos suspender as conversações. Seria como atirar no próprio pé. Existem bilhões de oportunidades de negócios em risco, dos dois lados do Atlântico. Para que perder tempo com uma discussão que não é diretamente relacionada ao assunto?", disse à DW o alemão Christian Ehler (CDU), que preside a comissão do Parlamento Europeu para as relações entre Europa e EUA.
O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, sugeriu a suspensão das negociações. À frente do grupo dos social-democratas que lida com assuntos europeus nas negociações para a formação do governo alemão, ele defende o tratado, mas sugeriu que, talvez, seja o momento de interromper as conversas.
"Se tais eventos continuarem e mais notícias aparecerem, temo que aqueles que são contra o tratado vão se tornar a maioria", declarou na semana passada. "Meu conselho é que façamos uma pausa para discutir como evitar o agravamento dessa situação. Isso está dentro dos interesses dos EUA e dos nossos também", afirmou.
Oa europeus, segundo Schulz, deveriam ao menos obter garantias de que os Estados Unidos não espionavam também a Comissão Europeia e a delegação da UE em Washington, com quem os americanos negociaram.
Já Ehler acha exagerada essa desconfiança. "Isso é mesmo relevante para as conversas? São apenas negociações. Ambos os lados sabem da posição das duas partes e devem chegar a algum acordo. Não estou preocupado que isso possa ser uma desvantagem para nós", rebateu.
Proteção de dados e inteligência
Uma parte do tratado inclui acordos de proteção de dados no comércio via internet e convencional. De acordo com seu plano de negociações, a UE tem maiores ambições do que os EUA nesse quesito e, segundo Ehler, só conseguirá impor seus princípios caso as conversas continuem.
"Quando se trata da troca de dados na economia digital, temos que pensar com cuidado se podemos criar um espaço livre, sem condições para o intercâmbio econômico de dados. Sabemos que os dados dos consumidores são utilizados por empresas americanas para a criação de perfis e para espionar pessoas com métodos de serviço secreto", afirma.
A questão agora seria como a Europa vai lidar no futuro com empresas como Google, Facebook e Amazon, que repassam dados de seus clientes para as agências americanas de inteligência, seguindo exigências legais dos EUA.
A UE já negocia as regulamentações da proteção de dados entre seus 28 Estados-membros. Elas devem estar prontas no próximo ano, mas ainda há algumas controvérsias. A Alemanha quer padrões bastante altos de proteção ao consumidor, enquanto Reino Unido e Irlanda querem limitar as restrições à esfera dos negócios.
Próximas rodadas definidas
Em resposta aos escândalos da NSA, o Parlamento Europeu pediu a suspensão do acordo Swift com os EUA, que regula o intercâmbio de dados de contas bancárias e transações internacionais. Enquanto a comissária para Assuntos Internos da UE, Cecília Malmström, rejeita a ideia de suspender o acordo, Merkel considera, ao menos, pensar no caso.
"Quanto ao Swift, eu preciso analisar com mais atenção", afirmou Merkel. "Precisamos medir com muita precisão o que teríamos a perder em relação à segurança de nossos cidadãos. Tenho certa compreensão a favor da votação no Parlamento Europeu", afirmou.
Martin Schulz diz que gostaria que a suspensão do Swift fosse adiante como um sinal evidente aos EUA de que algo deve ser feito para o restabelecimento da confiança. Os negociadores americanos, afirmou, precisam se colocar no lugar dos europeus.
"Fui questionado se posso estar certo de que o serviço secreto alemão não estaria espionando Barack Obama. Não, não posso. Mas se fosse o caso, gostaria de ver qual seria a reação da Casa Branca", observou. De qualquer modo, Schulz tem uma certeza: se os EUA estivessem agora na mesma posição dos europeus, eles não iriam prosseguir com as negociações para o tratado de livre-comércio.
A próxima rodada de negociações estava marcada para o início de outubro, mas o representante dos Estados Unidos, Michael Froman, foi obrigado a adiar em razão da crise do orçamento em seu país. Agora, o governo americano está de volta à ativa, e Froman já declarou que vai reiniciar as negociações logo que possível – provavelmente em novembro, em Bruxelas.
Independentemente das negociações do tratado, Alemanha e França almejam estabelecer até o fim do ano um acordo sobre os direitos dos serviços de inteligência. Esse acordo não seria do mandato da União Europeia, mas sim um tratado bilateral. Apesar da irritação dos líderes europeus na conferência da semana passada, a UE não é de fato responsável por assuntos de inteligência.