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Apesar de protestos, impeachment de Dilma é improvável

Marina Estarque / Clarissa Neher14 de março de 2015

Insatisfação popular por si só não basta para tirar um presidente do poder. Segundo especialistas, memória do caso Collor faz processo parecer mais simples do que é: afastamento é inviável sem base política e legal.

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Foto: Reuters/Sergio Moraes

Apenas seis dias após a reeleição, em outubro de 2014, a presidente Dilma Rousseff enfrentou a primeira de uma série de manifestações pelo seu impeachment. Antes pequenos, os protestos ganham nova força agora, alimentados pela crise econômica e o escândalo de corrupção na Petrobras. Várias manifestações estão programadas para este domingo (15/03) em mais de 30 cidades do país. Mas a maioria dos especialistas consultados pela DW Brasil avalia que um impeachment é improvável, tanto do ponto de vista jurídico quanto político.

"No mundo inteiro há pessoas descontentes que saem às ruas para protestar, isso não significa que um presidente vai cair. Protestos não bastam", afirma a cientista política Mariana Llanos, do instituto alemão Giga, em Hamburgo.

Especialistas ressaltam ainda que as manifestações não representam a opinião da maioria dos brasileiros – afinal, o público dos protestos é o mesmo que não votou na presidente nas últimas eleições. Ainda que o resultado do pleito tenha sido acirrado, a petista obteve o maior número de votos. "O PT também consegue mobilizar e fazer manifestações. Tanto na rua, quanto no Congresso, o impeachment é inviável", diz o cientista político Bruno Speck, da USP.

Um pedido de impeachment pode ser apresentado por qualquer cidadão. Mas precisa apontar um crime de responsabilidade e ser aprovado pelo presidente da Câmara antes de ir à votação – desde 2010 já foram 14 tentativas, nenhuma bem-sucedida. E a medida só passa para o Senado se receber o apoio de dois terços dos deputados.

"Até mesmo líderes da oposição, como Geraldo Alckmin, Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso, já descartaram essa possibilidade. Assim como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros. Então não existe a maioria necessária para pedir o afastamento da presidente", argumenta o cientista político Pedro Arruda, da PUC-SP.

Casos Collor e Lugo

Não é a primeira vez, desde a democratização do país, que a destituição de um presidente é cogitada pela população. Antes de Dilma, movimentos já pediram o "Fora Lula", no auge do escândalo do mensalão, em 2005, e a insatisfação com a política econômica e as denúncias de corrupção na privatização da Telebrás impulsionaram o "Fora FHC", em 1999.

Além disso, o primeiro presidente eleito pelo voto direto após a ditadura militar, Fernando Collor de Mello, sofreu um impeachment. Para os especialistas, essa primeira experiência bem-sucedida do afastamento de um chefe de Estado influencia as novas tentativas. "Isso fica na memória das pessoas e, se um governante não agrada, logo pensam na possibilidade de pressionar até tirá-lo do cargo", afirma Llanos.

Para Arruda, a palavra impeachment acabou se tornando um "slogan banalizado" no Brasil, o que pode acabar fragilizando a democracia. "Se não existem elementos jurídicos e factuais para destituir a presidente, as pessoas estão pedindo o quê? Uma intervenção militar?", questiona.

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Em 1992, protesto pede queda de Collor: caso continua vivo na memória dos brasileirosFoto: Antonio Scorza/AFP/Getty Images

Já Speck avalia que os pedidos de impeachment são manifestações legítimas e saudáveis da sociedade, mas ressalva: "Desde que isso ocorra dentro dos padrões de legalidade e civilidade. Isso exclui, obviamente, protestos solicitando a intervenção das Forças Armadas."

Os especialistas lembram ainda que o hábito de pedir o impeachment do presidente não é exclusividade do Brasil. "Nos EUA houve o pedido contra o Bill Clinton, e um grupo da direita radical, ligado ao movimento republicano Tea Party, quis o impeachment de Barack Obama", comenta Arruda.

O mesmo vale para países latino-americanos, como é o caso do Paraguai, cujo presidente Fernando Lugo sofreu um impeachment em 2012. Para o cientista político Peter Birle, do Instituto Ibero-Americano de Berlim, essa característica está relacionada ao sistema presidencialista existente na América Latina, para ele extremamente personalista. "Muita esperança e – depois – muita frustração são direcionadas à pessoa do presidente", diz Birle.

Base legal

Apesar do impeachment ser um processo mais político do que jurídico, é necessário haver uma base legal para o pedido – apenas a frustração com o governo não basta. Para a maioria dos especialistas consultados pela DW Brasil, nada indica que a presidente tenha tido qualquer participação nos escândalos da Petrobras ou soubesse dos casos de corrupção. Assim, não há base legal para um pedido de impeachment, concluem.

"O nome dela foi citado por delatores, e o procurador-geral da República decidiu não dar andamento a uma investigação", lembra Eloísa Machado, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. A advogada acrescenta que o presidente só pode sofrer impeachment por atos cometidos durante o atual mandato, o que excluiria a atuação de Dilma como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, como ministra de Minas e Energia e como presidente da República entre 2011 e 2014.

Nationalkongress in Brasilien
Pedido de impeachment precisa apontar um crime de responsabilidade para ser votado no CongressoFoto: picture-alliance/dpa

No entanto, o professor emérito da Universidade Mackenzie Ives Gandra Martins defende que há bases legais para o afastamento de Dilma do cargo. Gandra escreveu um parecer fundamentando a possibilidade de impeachment, a pedido de um advogado ligado ao PSDB.

Ele considera que a presidente teria cometido crime de improbidade administrativa – um dos delitos que podem levar ao impeachment – por omissão. Na tese dele, a presidente teria culpa (quando não há a intenção de agir) e não dolo (sem a intenção). "A Dilma optou por continuar, até fevereiro, com a mesma diretoria que, por culpa ou dolo, manteve o esquema de corrupção. A presidente não precisa ter a intenção de praticar, basta não ter fiscalizado corretamente", afirma o advogado.

Para os especialistas contrários à tese de Gandra, há o risco de que os governantes possam ser responsabilizados por qualquer crime que ocorra durante o seu mandato. Machado diz que, em casos de impeachment, é preciso ter fatos que vinculem diretamente o governante à prática criminosa, com dolo.

"O impeachment se justificaria se a presidente tivesse usado o seu cargo deliberadamente para cometer alguma infração. Toda a dinâmica do crime de responsabilidade se refere ao abuso de poderes no exercício do cargo", explica a advogada.

Mesmo que a tese da omissão fosse aceita, diz Machado, seria preciso provar que Dilma estava ciente dos crimes. "Não dá para pressupor que ela sabia de tudo. Teria que se comprovar que ela foi formalmente notificada e não fez nada."