Tiro pela culatra
17 de abril de 2008Poucos eventos despertam tanta atenção internacional quanto os Jogos Olímpicos, que também portam uma mensagem positiva de juventude, esporte e paz. Por isso, constituem o cenário ideal para a divulgação de firmas e produtos. O comitê de organização faz pagar regiamente por esta vantagem, que naturalmente só funciona se a imprensa mundial está presente e noticia sobre os eventos.
As últimas Olimpíadas, em Atenas, por exemplo, mereceram um total de 35 mil horas de programação televisiva, em todo o mundo. Porém a violenta repressão das autoridades chinesas às revoltas no Tibete e os conseqüentes protestos em todo o mundo criam um sério problema para os patrocinadores de Pequim 2008.
A montadora alemã de automóveis Audi, pertencente ao grupo Volkswagen, pretendia apresentar o seu novo utilitário no Monte Everest, por ocasião da chegada da tocha olímpica. Estavam previstas tanto uma festa na base dos montanhistas, a 5.500 metros de altura, quanto um evento na capital tibetana Lhasa. Porém, desde que o Tibete está barrado para os jornalistas estrangeiros, os eventos perderam todo o sentido para a Audi, que cancelou sua participação.
Faca de dois gumes
Para os patrocinadores ocidentais, o envolvimento em Pequim 2008 se transformou num impasse duplamente contraprodutivo.
Os protestos em nome dos direitos humanos no Tibete têm transformado a passagem da tocha olímpica pelo mundo num verdadeiro "corredor polonês". Este foi o caso em Londres e Paris, enquanto na norte-americana São Francisco a rota foi modificada no último minuto, e o símbolo das Olimpíadas foi carregado por ruas desertas.
Caso insistam no apoio, grupos como Adidas, Coca Cola, Samsung ou Volkswagen arriscam danificar sua imagem no Ocidente. Por outro lado, a retirada do patrocínio a curto prazo pode significar represálias na China, onde a maioria dessas firmas tem investimentos substanciais.
Negócios acima de escrúpulos
Ao que tudo indica, os patrocinadores alemães optam por colocar os negócios diante da imagem. Na qualidade de parceira automobilística exclusiva, a Volkswagen fornece 6 mil veículos para o transporte de atletas e funcionários de mais de 200 nações. Além disso, a empresa apresentará suas marcas VW, Audi e Skoda num pavilhão de 2 mil metros quadrados. A Volkswagen não é apenas o maior conglomerado automobilístico da Europa como também a principal montadora da China.
A BASF, maior grupo químico do mundo, é igualmente uma das grandes investidoras em solo chinês. Seu presidente, Jürgen Hambrecht, viveu vários anos naquele país e aposta na mudança econômica.
"Quem vai à China percebe a mudança de forma física, direta e imediata", afirma. É preciso reconhecer como o país se transformou, como o bem-estar se estabelece e os cidadãos conquistam mais direitos, graças às suas rendas pessoais, insiste Hambrecht. "Aí tenho que dizer: negócios com transformação é realmente um caminho certo."
Tiro pela culatra
As empresas alemãs têm investido maciçamente na China. Em 2007, exportaram mercadorias no valor de 30 bilhões de euros, aliados a 55 bilhões de euros em importações. O presidente da Audi, Rupert Stadler, considera a China seu "segundo mercado doméstico".
No ano passado a marca fabricou lá mais de 100 mil automóveis. Sua matriz, a Volkswagen, construiu e vendeu um total de mais de 910 mil veículos. Este número deve chegar a 1 milhão em 2008, significando que a VW vende mais na China do que na Alemanha.
A Adidas também investe naquele país asiático, e vê nas Olimpíadas um trampolim midiático para todo o mundo. A firma fornece tradicionalmente milhares de trajes esportivos para os jogos olímpicos, o que também se aplica a Pequim.
Porém desta vez o tiro saiu pela culatra. Recentemente o mundo inteiro viu pela televisão as forças de segurança chinesas que flanqueavam a tocha olímpica em choque com manifestantes em Londres e Paris – portando as três listras da fabricante alemã de trajes esportivos.