'Apropriação de terras'
14 de fevereiro de 2011Em 2008, o governo de Madagascar pretendia vender um quarto de toda a terra arável da ilha à multinacional sul-coreana Daewoo. No entanto, os governantes não contaram com os enfurecidos agricultores locais, que protestaram intensamente contra a medida. No ano seguinte, foram esses mesmos agricultores que derrubaram o governo de Madagascar.
Land-Grabbing (apropriação de terras, em inglês) é o termo utilizado para designar as compras de grandes porções de terras, seja por Estados ou por empresas, em países em desenvolvimento.
A fim de assegurar o abastecimento de alimentos em seus países, nações muito populosas ou que são pobres em fontes de água, como China, Índia, Coreia do Sul ou Estados do Golfo Pérsico, compram grandes porções de terra em países economicamente desfavorecidos, enchendo os bolsos dos governos desses países com bilhões de euros.
Os agricultores locais, que há gerações trabalham nessas terras, acabam ficando sem nada. "Os sistemas tradicionais de uso dessas terras e a falta de cadastro dos agricultores fazem com que os governos as considerem como sem uso e as venda, ainda que milhares de famílias de agricultores vivam nessas propriedades", explica Martin Bröckelmann-Simon da Misereor, organização da Igreja Católica alemã para a ajuda ao desenvolvimento. Isso significa que esses agricultores terão que, muitas vezes em brevíssimo espaço de tempo, abandonar suas terras.
Fome, pobreza e êxodo rural
São justamente os países em desenvolvimento que dependem do capital internacional. Os governos desses países atraem, com concessões e estímulos, Estados e empresas ávidos por adquirir terras. Desses investimentos bilionários, os agricultores não veem sequer um centavo. Em vez disso, esse dinheiro é direcionado para projetos de prestígio. Por exemplo, no caso do Quênia, lá o Emirado do Catar cultiva frutas e verduras numa área de 40.000 hectares. Em contrapartida, o Catar deverá construir um porto no valor de 2,3 bilhões de euros.
Além disso, a crescente demanda de energia, tanto dos países industrializados quanto dos países emergentes, faz com que cada vez mais terras sejam compradas para produção de biodiesel. A China planeja na República Democrática do Congo a maior plantação de óleo de dendê do mundo. Estima-se que a área arrendada pelos chineses tenha uma superfície de 2,8 milhões de hectares.
A destruição da agricultura doméstica tem uma consequência dramática para os países em desenvolvimento. "A soberania alimentar dos países que recebem esses investimentos estará severamente em risco, justamente por causa dessas aplicações“, argumenta Bröckelmann-Simon da Misereor. "Com isso crescem os problemas relativos à fome, à urbanização e à pobreza", explica.
Crise financeira fortaleceu fenômeno
Números confiáveis relativos à dimensão do Land-Grabbing não existem. A venda de grandes porções de terras acontece, na maioria das vezes, às escuras.
No entanto, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que, entre 2006 e 2009, países industrializados e emergentes compraram cerca de 33 milhões de hectares de terras em países em desenvolvimento, uma área que equivale quase ao território da Alemanha.
O Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar (International Food Policy Research Institute), em Washington, estima que o volume de investimentos é de 30 bilhões de dólares. Desde o início da crise financeira em 2008, o fenômeno de compra de terras em países em desenvolvimento cresce significativamente, diz Marita Wiggerthale da organização de ajuda humanitária Oxfam na Alemanha. "A terra se tornou um investimento financeiro atraente e, por isso, ocorreu uma correspondente compra especulativa de terras", explica.
Legislação internacional
A FAO trabalha com governos e ONGs no sentido de estabelecer um arcabouço jurídico internacional, a fim de solucionar o problema da "apreensão de terras".
Até o final do ano, tal legislação deverá ser aprovada. Esse código deve assegurar que os governos sejam obrigados a prestar contas à sua população, postula Marita Wiggerthale, da Oxfam. "No final, eu acredito que a questão mais importante é se essa legislação será devidamente implementada ou se nós vamos ter apenas um mero pedaço de papel, que, de fato, ninguém realmente levará a sério", explica.
Autor: Christoph Ricking (pp)
Revisão: Carlos Albuquerque