Odebrecht pode aprender com caso Siemens
23 de dezembro de 2016A construtora Odebrecht e sua filial petroquímica, Braskem, vão pagar ao menos 3,5 bilhões de dólares no Brasil, Estados Unidos e Suíça em troca da suspensão de ações contra as empresas. Os valores a serem quitados pelas duas empresas tornam esse o maior acordo feito em um caso de suborno internacional, em termos monetários, da história, segundo as autoridades americanas.
Apesar do alto valor, a Odebrecht não deverá ter grandes dificuldades para pagar a multa. "Esses acordos não são feitos para quebrar as empresas, mas têm um caráter educativo para outras corporações. O maior impacto é o dano na imagem e reputação", afirma Ana Paula Candeloro, professora de governança corporativa e compliance do Insper.
O valor a ser pago pelo Grupo Odebrecht – que atua no Brasil e em mais 25 países, tem 128 mil funcionários e teve faturamento de 132 bilhões de reais e lucro líquido de 890 milhões de reais em 2015 – é mais que o dobro do acerto fechado entre a multinacional alemã Siemens e autoridades americanas e europeias em 2008. Na época, a gigante alemã aceitou pagar 1,6 bilhão de dólares com o objetivo de evitar processos por suborno de agentes públicos em troca de favorecimento em contratos.
Especialistas dizem que a Odebrecht tem muito a aprender com a Siemens, que criou, após o escândalo, um programa de compliance que hoje é referência no mundo, e que a empreiteira brasileira terá que repensar seu modelo de negócios para sair da crise institucional.
"Esses acordos são feitos levando em conta a realidade financeira da empresa. Mas a Odebrecht terá que se reinventar e vender ativos para ficar mais enxuta e sairá menor do que quando entrou na lista de investigadas pela Operação Lava Jato", diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). "Aliás, não só a Odebrecht, mas também a Petrobras e outras empreiteiras investigadas na operação."
De acordo com um comunicado da empresa, "o pagamento da multa será viabilizado por meio de uma combinação de vendas de ativos já planejadas anteriormente e de geração de caixa das operações continuadas". A empresa terá ainda um prazo de 23 anos para quitar o valor, e as parcelas serão reajustadas pela taxa de juros Selic.
O grupo empresarial afirma também que, ao calcular a multa, as autoridades levaram em consideração a plena cooperação com as investigações e as amplas medidas de remediação adotadas pela Odebrecht para corrigir eventuais falhas de conformidade.
Compliance da Siemens é referência mundial
Depois de ser protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção corporativa em 2006 e que levou ao afastamento de praticamente toda a diretoria da empresa no início de 2007, a Siemens virou referência para outras empresas em compliance – conjunto de práticas que visam a garantir a conformidade dos atos da empresa a leis, políticas e diretrizes.
A filial brasileira da empresa denunciou em 2013 ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a formação de cartel, com participação da própria multinacional alemã, para fraudar as licitações para a compra de equipamentos ferroviários, além da construção e manutenção de linhas de trem e de metrô em São Paulo e Brasília.
De acordo com a empresa, o sistema de compliance é dividido em três pilares – prevenir, detectar e responder – que são base de um sistema abrangente de atividades que garantem que os negócios estão totalmente em conformidade com todas as leis e regulamentos aplicáveis, assim como com os princípios e regras internas. "Nós temos tolerância zero para corrupção e violação dos princípios da concorrência legal", diz o site da multinacional.
Depois da série de escândalos em que se viu envolvida, a Odebrecht lançou neste ano uma política sobre conformidade que, segundo a empresa, é baseada nas melhores práticas mundiais para orientar o comportamento e as relações internas e externas dos funcionários, independentemente do nível hierárquico.
"A Odebrecht tem muito a aprender com a Siemens, e já está fazendo isso: fez uma reestruturação interna e um programa de compliance alinhado com diretrizes internacionais", diz Candeloro. "Esse é um momento de aprendizado, no qual as empresas se reinventam, pois veem que perderam valor monetário e reputação. E, depois, percebem que recuperar a confiança de investidores e do mercado é um processo demorado."
Entre as medidas tomadas ao longo de 2016, a empreiteira ampliou o número de conselheiros independentes para promover a diversidade e reforçar a transparência. Além disso, lançou um sistema de conformidade composto por dez medidas integradas de prevenção, detecção e remediação de riscos de não conformidade e, ainda, uma espécie de disque-denúncia anticorrupção.
"Agora, o grande desafio da empresa será a questão do controle e monitoramento. Não adianta ter as regras só no papel. Se não houver a mudança de mentalidade em todas as hierarquias, não adianta", opina Candeloro. "E o processo de comunicação é muito importante, porque o funcionário tem que estar convencido e engajado na causa, e não pode se sentir ameaçado – com a perda de seu emprego – se ele fizer a coisa certa."