Após recorde, emissões brasileiras caem 8% em 2022
23 de novembro de 2023Depois de atingir o maior nível das últimas décadas, as emissões de gases de efeito estufa no Brasil caíram em 2022. Empurrado pela queda do desmatamento na Amazônia no período, o total despejado na atmosfera foi de 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases, 8% a menos que em 2021.
"Ainda assim, o que temos agora é o terceiro maior nível de emissões desde 2005. Só é menor que o registrado em 2019 e 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro”, pondera David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), em entrevista à DW.
Os dados, apresentados nesta quinta-feira (23/11), mostram que a destruição dos biomas brasileiros, classificados no relatório como mudanças de uso da terra, é a maior responsável pela liberação dos gases que aceleram as mudanças climáticas. Em 2022, o setor foi responsável por 48% do total, ou seja, 1,12 bilhão de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e).
"O Brasil tem vantagens em relação a outros grandes emissores, já que a maior parte da poluição climática do país vem do desmatamento da Amazônia, produto sobretudo de crime e com impacto reduzido ou negativo no PIB”, destacam os autores do relatório, às vésperas da Conferência do Clima de Dubai, COP 28.
O cruzamento das informações com o Produto Interno Bruto (PIB) mostra que o Brasil mais poluiu do que produziu riqueza em 2022. Para cada dólar gerado, 0,59 quilo de carbono foi emitido. Quando o desmatamento entra para a conta, a cifra é de 1,22 kg de carbono por dólar.
"O desmatamento, em grande parte criminoso, especulativo e descolado da economia real, distorce a curva nacional de emissões e dobra a quantidade de carbono por dólar gerado na economia”, diz o levantamento.
No ranking global, o Brasil aparece em sexto lugar como poluidor do clima, com cerca de 3% das emissões totais. As primeiras posições são ocupadas por China, Estados Unidos, Índia, Rússia e Indonésia, segundo dados mais recentes compilados pela iniciativa Climate Watch, do World Resources Institute (WRI).
Emissões por setores
O relatório do Seeg, que contabiliza as emissões brasileiras de forma independente desde 2013, calculou ainda as emissões líquidas - o quanto de gases foi emitido menos o que as florestas foram capazes de remover. Em 2022, esse total foi de 1,7 bilhão de toneladas de CO2e.
O governo federal, por outro lado, só reporta à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima as emissões líquidas.
No panorama nacional, o setor de agropecuária é apontado como a segunda maior fonte de gases estufa. Em 2022, as emissões continuaram subindo, como observado no período passado. O total chegou a 617 milhões de toneladas de CO2e, 3% a mais que em 2021.
Na área de energia, após uma alta recorde, os números foram menores em 2022. A queda de 5%, com 412 MtCO2e, é explicada pelo maior uso de energias renováveis e menor geração termelétrica, movida a combustíveis fósseis como carvão e gás natural.
O setor de resíduos aparece em quarto lugar, com 91 MtCO2e, seguido por processos industriais, 78 MtCO2e. Ambos registraram uma baixa de 1% e 6%, respectivamente.
Os anos da "passagem da boiada”
Para os autores do levantamento, os dados de emissões de 2022 demonstram como o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro deixou um legado nocivo para o combate às mudanças climáticas no Brasil, uma era marcada pelo negacionismo.
"Os quatro anos daquilo que ficou conhecido como ‘passagem da boiada' causaram o maior aumento percentual no desmatamento da Amazônia visto em um único mandato presidencial desde o início das medições: 60%”, justificam os pesquisadores, ligados a entidades como Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) e Observatório do Clima.
Entre 2019 e 2022, anos do mandato de Bolsonaro, o Brasil emitiu 9,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa. Este total se equipara aos níveis medidos nos governos de Fernando Henrique Cardoso em seu segundo mandato (9,9 bilhões) e de Fernando Collor/tamar Franco(9,1 bilhões).
"Os dados mostram que o governo de militares eleito em 2018 entregou o que prometeu na área ambiental: a retirada do Brasil dos esforços globais de combate à crise do clima. Se não saiu do Acordo de Paris de direito, como insinuou que faria durante a campanha, Bolsonaro fez o Brasil sair do tratado de fato, acelerando as emissões e desmontando as estruturas de governança e de controle social”, conclui o texto.
Em busca do tempo perdido
Após idas e vindas, o Brasil estipulou como meta chegar em 2025 com corte de 48% nas suas emissões com base em 2005. Isso quer dizer que, o total não deve passar de 1,32 GtCO2e. E, para 2030, a emissão líquida máxima deve ser de 1,2 GtCO2e, uma redução de 53%. O plano faz parte da chamada Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (NDC), compromisso oficial que o país assume frente à Unfccc.
Os números foram anunciados recentemente pela ministra de Meio Ambiente Marina Silva após a chamada "pedalada de carbono” feita durante o governo Bolsonaro. Em 2020, o então presidente enviou uma atualização da primeira NDC trocando o ano de base de cálculo, o que permitiria, na prática, que o país aumentasse suas emissões em comparação ao primeiro compromisso firmado logo após o Acordo de Paris, em 2015.
"Basta reduzir o desmatamento num ritmo que já foi visto e apontado como ‘época de ouro' do país nesta área. Claro que os outros setores ajudam, mas as mudanças necessárias são mais estruturais e não ocorrerão em dois anos. Mas para o controle do desmatamento é possível”, afirma David Tsai.
Em seu terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva disse que vai zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030. Se isso ocorrer, e todas as outras emissões brasileiras permanecerem constantes, as emissões vão cair em cerca de 600 a 700 milhões de toneladas, adiciona Tsai.
"Isso mostra que é muito possível chegar a um cenário de emissões muito abaixo do que está prometido na NDC brasileira. Ou seja, o Brasil pode ampliar sua ambição perante o mundo e ampliar seu papel de liderança na agenda climática global”, sugere o coordenador do Seeg.