Argentina abraça o patriotismo na luta contra os credores
6 de agosto de 2014"Argentina entra com pedido urgente de adesão à União Europeia", escreveu uma página satírica alemã na internet, depois que o país sul-americano foi declarado tecnicamente insolvente, no segundo calote em 13 anos, no final de julho. A pequena e perspicaz anedota difundiu-se rapidamente, mas não foi bem recebida na Argentina: até os mais descontraídos a taxaram de humor barato.
Um forte patriotismo sempre fez parte da sociedade argentina. Por trás dele está a ideia de que imigrantes de todo o mundo vivem em harmonia e sem discriminação sob a mesma bandeira e Constituição. Foi o peronismo que usou essa ideia como instrumento político, às vezes com mais, outras vezes com menos habilidade. Principalmente em épocas de crise – como agora, quando o país está enfrentando forte resistência internacional na sua bizarra luta contra os "fundos abutres".
"Nosso patriotismo nasce da seguinte situação: nós nos consideramos os melhores do mundo, o que é uma presunção. Como ela não encontra embasamento na realidade, dizemos haver uma conspiração de grandes e misteriosas forças globais, que impedem que sejamos o que supomos ser", explica o historiador Luis Alberto Romero, que há anos se dedica ao fenômeno. "Isso é muito triste, mas é assim que funciona."
Críticos sem chances
Também na disputa com os dois fundos de investimentos norte-americanos, que não quiseram participar das renegociações das dívidas de 2005 e 2010, o governo se apoia em sentimentos patrióticos: quem não aprova a política argentina corre o risco de ser considerado um traidor da pátria. "Patria o Buitre", "A pátria ou os abutres", está escrito no cartazes que decoram quase por completo a área onde se encontram os prédios do governo, em Buenos Aires. "Abutres" é como a presidente Cristina Kirchner e seus ministros denominam os dois fundos de investimento.
Deliberadamente, a presidente evoca um embate histórico: na década de 40, o então candidato à presidência, Juan Domingo Perón, teve como adversário político o embaixador dos Estados Unidos, Spruille Braden. Na época dizia-se: "Braden ou Perón", que na verdade significava "Estados Unidos ou Argentina?". A tática funcionou: Perón assumiu a presidência, e Braden perdeu a embaixada.
Segundo o historiador Romero, o pensamento nacionalista e sistêmico, que apenas enxerga preto ou branco, faz com que críticos e oposição fiquem praticamente sem chances. "Eles logo caem numa emboscada, como, por exemplo, na privatização da companhia petrolífera YPF, em 2012. A eles restava dizer: 'Bom, não podemos ser contra a pátria e os interesses nacionais!' E assim foram logo envolvidos por esse jogo discursivo do governo."
Patriotismo exaltado
Até mesmo a mídia oposicionista se une ao coro, por exemplo usando o termo pejorativo "fundos abutres" – paradoxalmente até em artigos de opinião em que se critica fortemente a posição do governo diante desses fundos de investimento. O patriotismo exaltado voltou à moda na Argentina. É uma tradição em épocas de crise: o tom se torna mais incisivo, e a coesão na sociedade cresce.
Uma fórmula que já mostrou ser problemática, como lembra Romero. "Acredito que seu ápice ocorreu há 30 anos, na Guerra das Malvinas. Depois aprendemos que a realidade é apenas realidade, e que as lamúrias precisam ter um fim. Porém, enquanto essa fórmula funcionar, o governo vai continuar com essa política."
Embalado pela onda patriótica, o governo anunciou esta semana que pretende continuar lutando contra os fundos de investimento – agora por meios jurídicos. Isso não melhora nada a situação da Argentina no âmbito internacional. Mas, internamente, a sensação é de que sim.