Arte brasileira em Kassel
11 de julho de 2007Alinhando-se com Catherine David, a curadora da documenta X – que se propunha uma mostra quase retrospectiva sobre a arte contemporânea –, o diretor artístico da documenta 12, Roger M. Buergel, e a curadora da exposição, Ruth Noack, escolheram trazer dois nomes dos movimentados anos 1960 no Brasil.
As obras de Mira Schendel (1919-1988) e Luis Sacilotto (1924-2003), misturadas às obras de artistas contemporâneos nos espaços de exposição, permitem a reflexão sobre uma série de questões propostas pela documenta 12. Uma delas, quase óbvia, remete ao primeiro leitmotiv divulgado pela mostra de 100 dias: "A Modernidade é nossa Antigüidade?". A primeira de três revistas desta documenta, que carrega o mesmo título e pretende abrir a discussão em torno desse universo, traz textos sobre a modernidade no contexto sociopolítico de cada uma das regiões participantes do projeto "documenta magazines".
O Brasil, que participou do projeto com mais de uma publicação, teve uma modernidade muito peculiar, pode-se dizer. Os movimentos concreto e neoconcreto não podem ser ignorados pela história da arte contemporânea. Artistas brasileiros, até hoje, se voltam para as produções daqueles que inauguraram a modernidade das artes plásticas no país.
De volta às origens
Se Catherine David trouxe, para sua documenta retrospectiva, os grandes nomes do movimento neoconcreto – Lygia Clark e Helio Oiticica – Buergel e Noack optaram por Mira Schendel e Luis Sacilotto.
Mira Schendel nasceu na Suíça e em 1949 foi para o Brasil, onde começou sua carreira como artista. Geralmente ligada ao movimento neoconcreto, seus trabalhos chamam atenção pela delicadeza e a precisão. Luis Saciloto era membro do Grupo Ruptura e em 1952 foi signatário do manifesto do grupo, que se baseava na obra de Max Bill. Os dois artistas começaram sua produções na cena artística brasileira incipiente dos anos 1950 e se consagraram com seu trabalho nas décadas seguintes.
A opção de expor o "Transformável" de Schendel em um cantinho da enorme sala ocupada pela escultura-instalação de Iole de Freitas condiz com a opção da dupla Buergel e Noack de apontar relações histórico-estéticas entre as obras trazidas. A transparência nos dois trabalhos, a leveza e o desafio do equilíbrio. Em escalas e poéticas diferentes, é certo, mas não é só o local de trabalho das duas artistas que coincide.
A relação fica extremamente clara e a dupla consegue, de maneira sutil, ir criando no espectador a noção de que as produções de arte contemporânea não são invenções, mas sim a evolução de um pensamento estético a partir de referências comuns.
DNA da arte brasileira
No Aue Pavillon está a única escultura de Luís Sacilotto trazida por Buergel e Noack. O espaço é um palácio de cristal temporário construído especialmente para a documenta, em que as obras parecem estar expostas em um grande galpão, com inúmeras possibilidades de caminhos a serem feitos.
Sacilotto participou da "I Exposição Nacional de Arte Concreta", em 1956. Essa exposição, reconstruída no MAM-SP como mostra paralela à 27ª Bienal de São Paulo é considerada "parte do DNA da arte contemporânea brasileira", segundo os curadores na ocasião da mostra. Qualquer semelhança com os objetivos educativos e históricos da documenta não é mera coincidência.
A exposição de 1956 marcou ainda o início da polêmica que se travou na época, entre as produções paulista e carioca, geradora de intensos debates em jornais, contribuindo para o desencadeamento do neoconcretismo e da teoria do não-objeto, formulada pelo crítico e poeta Ferreira Gullar.
Arte contemporânea para todos
Nada disso está explicado na exposição do Aue Pavillon, é claro – não é o objetivo dos curadores dar uma aula de história da arte, mas sim fornecer os meios para que a arte contemporânea não seja uma "arte para iniciados". A Escultura Negra de Sacilotto, simplesmente alocada ali, no meio do galpão de estímulos, chama a atenção de quem passa tentando se entender no espaço. A sobriedade e a forma pura, definida, fazem o visitante que já passou por obras sonoras, visuais, multimidiáticas, parar por alguns minutos e ver de onde vem a arte não figurativa, a arte que não explica nem retrata o mundo.
As outras obras de Schendel, espalhadas pelo Fridericianum, Aue Pavillon e Schloss Willhelmshöhe, trazem à tona a necessidade da presença do espectador para a sua apreciação. Essas obras se furtam a reproduções fotográficas, que não conseguem traduzir a delicadeza e a sutileza dos materiais e do processo de trabalho da artista.
Com essa organização de exposição das obras de Schendel e Sacilotto, a documenta consegue, de certa forma, atingir o público no que diz respeito à educação estética e ao olhar para a modernidade da arte como antecessora da arte contemporânea produzida hoje. Além de lembrar o público da necessidade do tempo e da contemplação in loco de uma obra para que se tenha uma experiência artística em sua plenitude.