Artistas de rua
13 de novembro de 2006As ruas na Europa são um espaço de socialização da comunidade e de popularização da arte. Funcionam como uma ferramenta de integração entre artistas e público. Na Dinamarca, Inglaterra ou Espanha, a visita a um ponto turístico ou um simples passeio pelo centro da cidade pode proporcionar um encontro multicultural. Músicos, pintores e atores transformam os espaços públicos em palco para exibirem seus talentos.
Também na Alemanha, artistas de várias nacionalidades vêm mostrar o que sabem. Nas ruas de Bonn, por exemplo, os músicos encontram uma oportunidade de divulgar seus projetos, vender CDs e complementar a renda com as gorjetas dos transeuntes.
Acordes ao vento
Os russos Eugene Schulz e Eugene Makov estudaram em conservatórios do país natal. Mas foi durante uma apresentação de Schulz em Bonn que Makov o descobriu. Se conheceram e formaram uma dupla: guitarra e violoncelo, respectivamente. Uma vez por semana, os compatriotas se encontram para tocar para quem estiver passando.
O palco é montado com dois banquinhos para os músicos. O repertório, composto por sucessos do jazz e da música clássica, vai de Tom Jobim a Baden Powel. A caixa de um dos instrumentos é colocada no chão, aberta, para receber as ofertas do público.
Os dois são professores de música em Bonn. Makov toca também em igrejas da cidade. As apresentações nas ruas são uma forma de complementar a renda. De acordo com Schulz, a dupla vende entre dois e sete CDs por dia.
Também distribuem cartões que rendem, em média, dois shows em festas particulares por mês e já chegaram a faturar 400 euros num único dia. "Se está ensolarado e é fim de semana, com certeza irá render mais. Mas se estiver muito frio, nem saímos de casa", revela.
Assim que os primeiros acordes ganham o vento, começa a se formar uma pequena platéia. Ao ouvir Garota de Ipanema, a aposentada Inger Rossenbach fez uma viagem no tempo, das ruas de Bonn para São Luiz do Maranhão no Brasil, onde viveu por sete anos. "Trabalhava como enfermeira. Tenho saudades," recorda.
Taças encantadas
Também nas mãos está o talento da russa Marina Terskova. O instrumento que ela usa é feito de vidro e cristal. São 29 taças, contendo porções diferentes de água. Com os dedos úmidos a circular as bordas, Marina toca Mozart, Strauss, Bach, Beethoven, Schubert e outros.
A musicista conta que já passou por dez cidades da Europa apresentando seu trabalho. Diz que é uma boa possibilidade de ganhar dinheiro, "mesmo que sejam apenas dez euros por dia". Mas faz o alerta: "Não é um emprego. Você não pede dinheiro. As pessoas é que decidem quanto querem dar".
Para quem quer experimentar este estilo de vida, ela recomenda: "Escolha uma cidade turística. Eventos como jogos de futebol também costumam render bastante. Os feriados são os melhores dias em termos de público e lucro. E não deixe de se informar sobre as regras da prefeitura de cada cidade, para não ter problemas."
A apresentação de Marina chamou a atenção no centro de Bonn. O professor Dietmar Scheithauer parou para assisti-la e aproveitou para brincar e sugerir "trocar a água por porções de vinho tinto. Ficaria mais bonito e ao final poderíamos beber juntos".
Leia na próxima página sobre as normas em Bonn para a apresentação de artistas de rua e sobre música brasileira
As regras do jogo
Na Alemanha, a regulamentação referente aos concertos abertos varia de acordo com o Estado. Na Renânia do Norte-Vestfália, a lei proíbe usar qualquer tipo de instrumento musical nas ruas. Mas, as cidades têm autonomia para conceder permissões.
É o que faz a prefeitura de Bonn, por considerar agradável – conforme informou a assessora de imprensa da cidade Monika Hoerig. O interessado precisa solicitar autorização, válida por dois dias, no Serviço de Atendimento ao Cidadão. É cobrada uma taxa de dez euros. Não é requerido visto especial. As apresentações podem acontecer das 6 às 22h. Porém, o artista precisa mudar de ponto a cada 30 minutos e não pode usar amplificadores. "Se você usa equipamentos eletrônicos, pode ficar muito alto e perturbar as pessoas, então é proibido", explica Hoerig.
Outros tipos de arte de rua não são proibidos em Bonn, mas necessitam igualmente de autorização da prefeitura, que libera até três permissões por dia.
Música brasileira
Os ritmos do Brasil também conquistam os europeus. Em Bonn, uma banda de brasileiros começou animando reuniões de amigos. No início, os shows da Só Sucesso eram gratuitos, mas agora o grupo já ganha cachê e ficou conhecido em toda a região – tem convite para tocar em Frankfurt e negocia uma apresentação na Suíça. A formação é: Astrid Prange, nos vocais (Alemanha); Sérgio Neves, no violão (Rio de Janeiro); Everaldo Souza, na percussão (Salvador); Sinvaldo da Mata, na bateria (São Paulo) e Thomas Dücker nos teclados (Alemanha).
O repertório é basicamente composto por música brasileira. Inclui samba, forró, pagode, bossa-nova, MPB, entre outros ritmos. A maioria das letras é em português, mas há canções em inglês e também em alemão. "Conseguimos fazer coisas que outras bandas têm dificuldade: cantamos samba em alemão", diz Sérgio. São sucessos alemães interpretados em ritmo de samba. Ich habe noch einen Koffer in Berlin (Ainda tenho uma mala em Berlim, de Ralph Maria Siegel) interpretada por Marlene Dietrich na década de 50, por exemplo, ganhou arranjo com percussão. "É uma forma de conquistar o público alemão. Eles se amarram," comenta.
De acordo com Sérgio, parte do dinheiro que a banda ganha é enviada para o Projeto Januária, em Minas Gerais. As doações são destinadas a uma escola que oferece cursos de computação e de cabeleireiro para cerca de 80 crianças. "Saí do nada também e sei como o Brasil ainda precisa de um monte de coisas. Eu poderia estar na pior, se não estou é por vários fatores que aconteceram e que mudaram a minha vida. Me deram a oportunidade de estudar e hoje retribuo da forma que posso", comenta o violonista.
Segundo Sérgio, a melhor forma de conquistar o público alemão inclui um pouco de informação. "Antes de tocar um samba, a gente explica o que é o estilo, quais os instrumentos utilizados. O alemão gosta de ouvir estas histórias. Ele não entende a letra, gosta do ritmo, mas se cansa logo. Se você explica, de forma sucinta, ele se interessa mais", conta.
E para quem almeja uma vaga no circuito, ele deixa o conselho: "Venha humilde e aberto a se adaptar às diferenças culturais. Aqui na Alemanha, o que vale é persistência e o trabalho com qualidade, compromisso e honestidade."