As catástrofes humanitárias esquecidas do planeta
20 de fevereiro de 2019Inundações, secas, fome, violência, deslocamento: também em 2018, inúmeros países voltaram a ser palco de catástrofes naturais ou crises criadas pelo ser humano. Enquanto, por exemplo, as guerras na Síria e no Iêmen, a crise de abastecimento na Venezuela e os incêndios florestais na Califórnia dominaram as manchetes internacionais reiteradamente, outras catástrofes de dimensão parecida ou maior aconteciam longe dos olhos do grande público.
Entre outros, os motivos foram um acesso mais difícil dos meios de comunicação a certas áreas de crise que representavam um verdadeiro desafio para a cobertura internacional, além de orçamentos definhando nas redações, diz o estudo Sofrendo em Silêncio, em tradução livre, da ONG americana Care International. A análise apresenta as crises humanitárias que "obtiveram a menor cobertura midiática" em 2018.
Para realizar o estudo, a organização trabalhou em conjunto com o serviço de observação de mídias Meltwater, avaliando mais de um milhão de artigos online em inglês, alemão e francês, publicados do início de janeiro ao fim de novembro do ano passado. Concretamente, observou-se com que frequência crises que afetaram pelo menos um milhão de pessoas foram mencionadas na imprensa online.
Não foram consideradas matérias produzidas para a TV ou o rádio, nem para plataformas de redes sociais. Apesar da restrição às línguas mencionadas e aos veículos, os resultados "mostram uma tendência clara", afirma o texto. O estudo elaborou uma lista com as dez crises sobre as quais menos se escreveu em 2018. Essas são as cinco menos noticiadas.
Haiti
Carros incendiados, ruas interditadas por barricadas, mortes: recentemente, os violentos protestos contra o governo voltaram a trazer o Haiti para os holofotes da opinião pública internacional. Mas, em 2018, uma crise alimentar causada, entre outros, por atrasos na colheita devido a uma seca no início do ano obteve muito menos atenção.
No Índice Global da Fome de 2018, o país caribenho, alvo constante de catástrofes naturais e que depende maciçamente de ajuda financeira internacional, ficou em 113º lugar entre 119 países. O país, politicamente instável, registrou "o maior nível de fome no Hemisfério Ocidental", diz o relatório publicado pela ONG alemã Welthungerhilfe e pela ONG Concern Worldwide. A situação da segurança alimentar no país é "muito séria", diz o índice.
Segundo a lista IPC da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), entre outubro de 2018 e fevereiro de 2019, mais de 386 mil haitianos se encaixavam na categoria alimentar "emergência". Segundo dados da FAO, atualmente, metade da população haitiana é subnutrida.
A Care denuncia que a dramática evolução praticamente não teve espaço na mídia. "Enquanto o grave terremoto no Haiti dominou as manchetes do mundo inteiro em 2010, a crise alimentar de 2018 no país caribenho quase não aconteceu nas notícias internacionais", diz o estudo. Apenas 503 textos online teriam abordado o assunto.
Etiópia
Também o país no Chifre da África foi afetado por uma crise alimentar em 2018. Apesar do crescimento econômico acelerado, mais de 80% da população etíope vive de trabalhos relacionados à agricultura – uma fonte de renda constantemente ameaçada por secas. No ano passado, após dois consecutivos de estiagem, voltou a chover, mas em muitas regiões não foi suficiente.
Em outras áreas do país, por outro lado, colheitas foram destruídas por enchentes. Segundo dados do governo, como consequência, oito milhões de pessoas passaram a depender urgentemente de auxílio alimentar. Segundo as Nações Unidas, 3,5 milhões de pessoas estavam em situação aguda de "subnutrição moderada", 350 mil sofriam de subnutrição "grave".
Na lista das crises mais negligenciadas em 2018, a Etiópia figura duas vezes. Segundo o estudo da Care, apenas 986 textos na internet relatam sobre a fome no país. O deslocamento de centenas de milhares de pessoas também quase não foi tematizado. Segundo dados da ONU, entre abril e julho do ano passado, um milhão de pessoas tiveram que deixar suas casas por causa de violência étnica nas regiões de Gedeo e de Guji Ocidental. Assim, em 2018, mais pessoas se deslocaram internamente por conflitos do que em qualquer outro país do mundo.
Madagascar
No ano passado, vários incidentes meteorológicos destruidores levaram caos ao país insular no sudeste da África. Madagascar é um dos países do mundo mais afetados pelas mudanças climáticas. Em 2018, o fenômeno climático El Niño fez com que as plantações de arroz, de milho e de mandioca do país secassem.
As tempestades tropicais Ava e Eliakim obrigaram mais de 70 mil pessoas a fugirem. Pelo fato de as más condições de tempo terem impedido a produção de muitos grãos, o número de pessoas ameaçadas de fome no sul do país aumentou para 1,3 milhão, segundo a ONU.
Além disso, epidemias de sarampo e peste abalaram o país localizado ao largo da costa de Moçambique. Em 2017, epidemias de pneumonia e peste bubônica já haviam vitimado 200 pessoas. Na capital Antananarivo, a Organização Mundial da Saúde contou 6.500 casos de sarampo até o final de dezembro de 2018.
O motivo para a eclosão da epidemia são especialmente as baixas taxas de vacinação: apenas 58% da população são vacinados contra a doença. Segundo o relato da Care, os relatos sobre as crises em Madagascar foram bastante raros.
República Democrática do Congo
De acordo com o estudo, a situação na República Democrática do Congo também não concentrou muitas atenções da imprensa online em 2018. Apesar disso, segundo a Care, o país é dominado por um "círculo vicioso de violência, doenças e subnutrição". O balanço do ano passado: 12,8 milhões de pessoas ameaçadas de fome, 4,3 milhões de crianças subnutridas, 500 novos casos de ebola que levaram à morte de 280 pessoas, segundo a OMS, e quase 765 mil pessoas refugiadas em países vizinhos devido à violência causada por conflitos entre milícias, especialmente nas províncias no leste do país.
Um número de menores de idade acima da média é vitima permanente do conflito: segundo uma análise recente da organização de defesa dos direitos das crianças Save The Children e do Instituto de Pesquisas da Paz em Oslo, a RDC pertence aos países do mundo em que as crianças mais sofrem com conflitos armados.
A violência sexual sistemática contra mulheres no país também não acaba. No total, as Nações Unidas estimam em mais de 200 mil o número de vítimas de estupros na antiga colônia belga. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) tratou 2.600 vítimas de violência sexual na cidade de Kananga entre maio de 2017 e setembro do ano passado, 80% delas teriam dito que foram violentadas por homens armados.
"Esses números são um indicador para o alto nível de violência também neste ano", afirmou Karel Janssens, coordenador nacional do MSF para o país. Na esteira da entrega do Prêmio Nobel da Paz ao ginecologista Denis Mukwege, a violência sexual na RDC voltou a ser tematizada mais fortemente nos veículos de comunicação. Mas a Care destaca que os problemas no país integram as crises menos notadas do ano.
Filipinas
No dia 14 de setembro de 2018, o mundo olhava atônito para a costa leste dos Estados Unidos, onde o olho do furacão Florence atingiu o continente no estado da Carolina do Norte. A quase 14 mil quilômetros de distância e quase ao mesmo tempo, uma tempestade bem mais forte atingiu o litoral da ilha de Luzon, a principal das Filipinas.
A uma velocidade de 200 km/h, o tufão Mangkhut, o maior ciclone tropical do ano, tocou o solo na manhã do dia 15 de setembro. Segundo o estudo, apesar de a catástrofe ter afetado mais de 3,8 milhões de pessoas, ter matado 82 pessoas e ferido 130, pouco se ficou sabendo sobre o Mangkhut através da imprensa.
Apenas um mês depois, o tufão Yutu devastou várias comunidades já destruídas pelo Mangkhut e que já haviam iniciado os trabalhos de reconstrução. Globalmente, as Filipinas fazem parte dos países onde há maior risco de catástrofes naturais da Ásia. Vinte tempestades tropicais atingem o país insular no Pacífico ocidental todos os anos.
Segundo o Banco Mundial, os tufões matam, em média, mil pessoas anualmente. Além disso, o país está altamente exposto a riscos geológicos como terremotos e erupções vulcânicas. A Care denuncia que os furacões Mangkhut e Yutu fazem parte das crises invisíveis de 2018.
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