As "despalavras" da Alemanha
Escolhida desde 1991 a partir de sugestões da população, a "despalavra do ano" é votada por um júri e designa uma expressão muito disseminada, mas infeliz na sua construção ou significado. Confira as dos últimos anos.
2023: "Remigração"
A palavra "remigração" é um conceito sociológico que define o retorno de pessoas aos países de onde emigraram, e inclui tanto o retorno voluntário como involuntário. Porém, para pesquisadores de extremismo, o termo foi apropriado por movimentos da nova direita: a palavra "remigração", evita o uso de expressões neonazistas como "fora estrangeiros" e normaliza posições extremistas de direita.
2022: "Terroristas climáticos"
A palavra "Klimaterroristen", ou "terroristas do clima", foi usada no discurso público para descreditar ativistas e protestos por ações contra o aquecimento global. Os jurados avaliaram que a palavra equipara ativistas do clima a terroristas. Isso pode fazer com que manifestações não-violentas e de resistência democrática sejam estereotipadas num contexto de violência e subversão.
2021: "Pushback"
O termo emprestado do inglês refere-se a diferentes medidas usadas para forçar migrantes a retornarem para o outro lado de uma fronteira, geralmente logo depois de cruzá-la, sem permitir que apresentem um pedido de refúgio. Os "pushbacks" violam a legislação da UE, o direito internacional e convenções de direitos humanos, mas foram legalizados pela Polônia em outubro de 2021.
2020: "Ditadura do coronavírus" e "patrocínio de repatriação"
Pela primeira vez, foram escolhidos dois termos como as piores palavras: a expressão "ditadura do coronavírus" difama as medidas restritivas impostas para conter o avanço da covid-19. Já "patrocínio de repatriação" descreve um esquema no qual países da União Europeia que se recusarem a receber refugiados devem organizar e financiar a deportação de requerentes de asilo que tiveram o pedido negado.
2019: "Histeria climática"
"Klimahysterie" (histeria climática) foi escolhida como a pior palavra de 2019 no idioma alemão. A expressão visa "difamar os esforços e o movimento de proteção climática e desacreditar os debates" sobre o tema, afirmou o júri de linguistas da Universidade Técnica de Darmstadt, que a cada ano escolhe a "despalavra do ano".
2018: "Indústria antideportação"
A expressão "indústria antideportação" é do ex-ministro alemão dos Transportes, Alexander Dobrindt, ao atacar críticos à política alemã de enviar à força aos países de origem os requerentes de refúgio cujo pedido de acolhimento foi negado. Dobrindt deu a entender que, a fim de ganhar dinheiro, quem apoia os requerentes de asilo rejeitados também protege os refugiados que se tornaram criminosos.
2017: "Fatos alternativos"
"Fatos alternativos" indica a tentativa de substituir argumentos factuais por afirmações não comprováveis, influenciando assim o debate público, explicou o júri da "despalavra". A expressão foi usada por Kellyanne Conway, assessora do então presidente dos EUA, Donald Trump, ao se referir à afirmação errada do porta-voz da Casa Branca de que a posse presidencial teria tido recorde de público.
2016: "Traidor do povo"
O termo é um "legado de ditaduras, entre elas a nazista", justificou o júri. Quando usada como crítica a políticos, é uma "despalavra" difamatória que sufoca discussões, necessárias à manutenção da democracia. Foi usada, por exemplo, contra o então ministro alemão da Economia, Sigmar Gabriel, que havia mostrado o controverso dedo do meio aos participantes de uma manifestação de direita.
2015: "Gente boazinha"
Embora composta por dois termos comuns – gut (bom) e Mensch (ser humano) –, a junção de ambos no substantivo "Gutmensch" dá uma conotação de desprezo e malícia à palavra, disse o júri. Na época da onda de migrantes no país, foi tachado assim quem se engaja em prol dos refugiados, reduzindo os voluntários a gente simplória, com síndrome de bom samaritano.
2014: "Imprensa da mentira"
O termo "imprensa da mentira" já era usado como arma pelos nazistas, que difamaram a mídia independente dessa forma. Mais recentemente, na Alemanha, apoiadores do movimento de direita Pegida usaram o termo em suas manifestações. Isso compromete a liberdade de imprensa, concluiu o júri.
2013: "Turismo social"
"Alguns políticos e a mídia usam o termo para se referir a imigrantes indesejados, especialmente os vindos do Leste Europeu", concluiu o júri, insinuando a intenção de se aproveitar dos benefícios sociais. A combinação de "social" e "turismo" é particularmente polêmica por sugerir que a migração por necessidade seria uma viagem de lazer.
2012: "Assinatura de vítima"
O termo "Opfer-Abo" foi cunhado por um antigo apresentador da previsão do tempo alemão, Jörg Kachelmann. Depois de ser julgado e absolvido por estupro, ele reclamou numa entrevista que as mulheres dispõem de uma "assinatura de vítima", ou seja, são sempre consideradas vítimas. O júri criticou como inaceitável a insinuação de que mulheres inventem a violência sexual.
2011: "Döner-Morde" (Mortes kebab)
O termo se referiu ao assassinato de oito turcos e um grego na Alemanha, que inicialmente se acreditou ser uma rixa entre as vítimas, em sua maioria donos de mercado, quiosque ou lanchonete. Investigações mostraram que os crimes foram cometidos por neonazistas. De acordo com o júri, o prato turco "döner kebab" foi usado para descrever todo um grupo populacional de forma racista e discriminatória.
2010: "Sem alternativa"
O termo foi cunhado pela chanceler federal, Angela Merkel, em relação à ajuda financeira à falida Grécia. De acordo com o júri, o termo "sem alternativa" foi posteriormente usada de forma inflacionária por políticos. Ele sugere falsamente "não haver, desde o início, alternativas num processo de tomada de decisão e, portanto, não há necessidade de discussão e argumentação".