As mazelas do sistema bancário alemão
7 de janeiro de 2004Enquanto os grandes bancos franceses obtiveram no primeiro semestre de 2003 um lucro de 11% e os do Reino Unido chegaram até os 16%, as instituições bancárias alemãs não conseguiram atingir nem mesmo 1% de lucros em relação ao capital de que dispõem. Os reflexos dessa situação podem ser sentidos no cenário internacional, dentro do qual os bancos alemães perdem cada vez mais em importância.
Três pilares -
Alguns afirmam que a culpa é do chamado "sistema de três pilares", sobre o qual é organizado o sistema bancário alemão, impedindo qualquer espécie de concorrência real. Outros apontam um atraso dos bancos do país, que demoraram demais para optar por sistemas de trabalho mais baratos e eficientes.Especialistas, no entanto, acreditam que se trata apenas de uma questão de tempo: mais cedo ou mais tarde, afirmam, as instituições bancárias alemãs vão ser devoradas pelos concorrentes estrangeiros. Um sinal que aponta para este caminho são os recentes boatos de que o Commerzbank eliminou a partir de agora seus fundos de pensão para funcionários, como prenúncio de uma futura fusão (só não se sabe com quem).
Ações desvalorizadas -
Fato é que os bancos alemães, se comparados a seus concorrentes internacionais, proporcionam pouco lucro. Os três duros anos de crise na bolsa de valores fizeram com que o valor das ações desses bancos sofressem reduções drásticas.Enquanto as ações do britânico HSBC perfazem um total de 135 bilhões de euros e as do Royal Bank of Scotland cerca de 70 bilhões de euros, os alemães Deutsche Bank, Dresdner Bank, Commerzbank e Hypovereinsbank registram juntos na bolsa apenas 56 bilhões de euros. Isso significa nem um terço do total das ações do Citigroup, o número um do mundo.
Divisão do bolo - Os banqueiros alemães jogam a culpa no "sistema de três pilares" que rege no país, impedindo os bancos privados de crescerem "como gostariam". O setor bancário alemão é dividido meticulosamente em 350 bancos privados (primeiro pilar), cerca de 520 caixas econômicas de direito público (segundo pilar) e quase 1500 bancos populares ou de cooperativa (a terceira coluna de sustentação).
Jens Kufer, da empresa Mummert Consulting, de Hamburgo, ressalta que "as caixas econômicas, por exemplo, têm entre seus clientes as cidades. Com isso, economizam o próprio capital, levando vantagens na concorrência com os bancos privados".
Abolindo subvenções -
De acordo com as diretrizes da União Eruopéia, esta forma de subvenção do Estado aos bancos públicos precisa ser abolida até 2005. O que não adianta muito para os bancos privados alemães, pois 51% dos lucros de um banco europeu de grande porte vêm de seus clientes privados. No caso da Alemanha, no entanto, 80% destes são clientes das caixas econômicas e dos bancos populares ou de cooperativa.Os três setores – bancos privados, caixas econômicas e bancos populares ou de cooperativa – vivem isolados uns dos outros, com barreiras jurídicas que impedem fusões "além setor". O prefeito de Stralsund, uma pequena cidade no norte alemão, pode vir a quebrar o tabu que impede essas fusões, provocando um verdadeiro terremoto no cenário financeiro do país.
Privatizações -
Harald Lastovka pretende vender a Caixa Econômica de sua cidade. Com um volume de negócios de 550 milhões de euros, 160 funcionários e sete agências, a venda não seria notícia nem em um jornal regional, não fosse o fato de o comprador em potencial ser o Commerzbank, um banco privado. Se a venda for concretizada, abrindo o precedente, o chamado "sistema de três pilares" alemão pode ruir de agora em diante."Essa quebra de tabu não é isenta de riscos, pois as caixas econômicas têm entre suas tarefas a de fomentar a economia regional, enquanto aos bancos privados só interessa obter parcelas maiores do mercado e aumentar a rentabilidade". Falando em rentabilidade: os grandes bancos alemães gastam 76 cents para cada euro ganho. Bem mais do que os 54 cents dispendidos por espanhóis e ingleses, por exemplo.
"Ninguém me quer" –
Esta é uma das razões pelas quais nenhum grande banco estrangeiro se interessou até agora pela compra de um banco privado alemão. E isso mesmo considerando que o Citigroup, por exemplo, poderia facilmente adquirir todos os quatro grandes bancos alemães. Estes, no entanto, proporcionam no momento tão parcos lucros, que nenhum investidor estrangeiro poderia convencer seus acionários de que o negócio vale a pena.Wolfgang Gerke, professor de Economia da Universidade de Erlangen-Nürnberg, acredita contudo que "muitas instituições de crédito estrangeiras observam intensamente o mercado interno alemão e estudam uma forma de entrar nele ainda em 2004".
Catástrofe nacional? -
Uma eventual venda dos bancos alemães é vista entretanto até para os mais árduos defensores do liberalismo como uma possível catástrofe nacional: "Será que não nos importa se a indústria local, ao invés de ter o apoio de um banco nacional, estiver nas mãos de uma instituição de crédito estrangeira?", questiona Rolf-Ernst Breuer, presidente do Conselho Administrativo do Deutsche Bank.Outros, como Gerke, acreditam que isso pode ser irrelevante para os grandes bancos do país: "Estes olham mais para a rentabilidade do que para a nacionalidade. Não acho que vão dizer 'agora estamos financiando um grupo francês', mas vão, sim, observar qual é a melhor relação de rendimento-risco para seu portfolio de ações".