As raízes "esquecidas" de Trump na Escócia
7 de junho de 2016Em junho de 2008, um Boeing 727 adesivado com o nome "Trump" em cor ouro ao longo da fuselagem pousou no aeroporto de Stornoway, em Lewis, uma das ilhas ocidentais da Escócia.
Pela segunda vez em sua vida, Donald Trump vinha visitar o local de origem de sua mãe, Mary Anne MacLeod. Do lado de fora da modesta casa dela na vila de Tong, ele disse a repórteres: "Eu me sinto muito confortável aqui. Eu acho que me sinto um escocês."
Na campanha para as primárias, o provável candidato republicano à Casa Branca falou muito sobre como manter os imigrantes fora dos EUA – seja com a construção de muros na fronteira com o México ou banindo a entrada de muçulmanos.
Mas ele disse pouco sobre sua própria história de imigrante, particularmente a de sua mãe, que, com 18 anos, deixou Lewis, a cerca de 60 km da Grã-Bretanha, para tentar uma nova vida nos EUA.
Marcas no nome e no cabelo
Trump deve muito mais a Lewis do que ele diz, incluindo seu primeiro nome (Donald tem origem escocesa) e talvez uma de suas marcas registradas: o cabelo ruivo flamejante.
"A emigração sempre foi parte da vida aqui", afirma o genealogista Bill Lawson ao apontar a árvore genealógica de Mary Anne MacLeod.
Nascida em 1912, Mary Anne cresceu com nove irmãos, o que foi difícil. Era esperado de cada membro da família que ajudasse no sustento da casa e trabalhasse na terra.
Por volta de 1920, a economia de Lewis estava em frangalhos, e a indústria de arenque havia sido dizimada por dois acontecimentos: a Revolução Russa e a Lei Seca nos EUA – o peixe salgado era um petisco popular vendido em bares. As colheitas, além disso, vinham falhando com frequência. E, em 1930, Mary Anne partiu para Nova York a bordo do navio escocês Transylvania.
A pesquisa feita por Lawson apresenta uma imagem viva da jovem Mary Anne deixando tudo para trás. Todos os seus avós, com exceção de um, nasceram em Tong – incluindo Donald Smith, que morreu em 1868 quando uma tempestade virou seu barco enquanto ele pescava. Sua viúva, Mary, passou a gerir a pequena propriedade agrícola da família e a educar seus filhos. A caçula da família era Mary MacLeod, a avó de Trump, que morreu em 1963 com 96 anos.
Será que Trump recebeu seu nome do seu bisavô Donald Smith? "Isso é muito provável", afirma Lawson. "Donald é um nome muito comum em Lewis. É por isso que não gritamos 'Donald MacLeod' na rua em Stornoway, porque 40 deles iriam se virar", brinca o especialista.
Pouco apoio
Ao continuarmos ao longo da linhagem familiar, Lawson se depara com uma descoberta surpreendente: o tataravô de Trump, Alasdair MacLeod, era conhecido por "Ruadh" ou "Red" por conta da cor de seu cabelo. "O cabelo ruivo é muito comum nas ilhas", afirma Lawson. "Se quase todos na ilha forem pesquisados, você chegará a um viking."
A cor do cabelo de Trump pode até ter origem em Lewis, mas poucos na ilha estão torcendo para ele vencer a disputa presidencial em novembro. A maioria dos residentes vê o republicano com uma mistura de ironia e constrangimento. O fato de muitos aqui o chamarem de "Domhnall lain" – o gaélico para seu primeiro nome e do meio – é um sinal de deboche, e não de carinho.
Lewis tem uma forte identidade local, muitas vezes ligada à igreja. A ilha é provavelmente o último reduto religioso do Reino Unido. O presbiterianismo não é tão poderoso como era nos dias de Mary Anne, mas até recentemente a barca não navegava aos domingos e muitos ainda celebravam o sabá.
Um dono de cassino casado três vezes que se transformou em uma estrela de reality show e agora será candidato à presidência dos EUA não combina muito bem com os valores tradicionais da ilha.
"O estilo de vida de Donald Trump não seria compatível com sua origem na ilha", afirma o reverendo James Maciver, que cresceu nas proximidades da casa de MacLeod, em Tong. "Não se trata de ele ter feito grande sucesso em termos financeiros – é como ele fez isso. É o tipo de atitude imprudente: não importa o que acontece às pessoas, desde que ele consiga o que quer. Isso não combina com a mentalidade nesta ilha."
Trump ainda tem familiares na ilha. Dois de seus primos, William e Alasdair Murray, continuam vivendo na casa da família MacLeod em Tong – mas nenhum dos dois está disposto a conversar. "Eles são pessoas boas, mas estão fartos de pessoas perguntando sobre Trump", diz o proprietário de uma loja local.
Uma pessoa que é feliz em falar em Trump é Derick Mackenzie, que criou a comunidade no Facebook "Ilha de Lewis apoia Trump para presidente" (somente pouco mais de cem curtidas até agora). "Eu acho que ele é honesto. E honestidade é raro hoje – especialmente entre os políticos", afirma Mackenzie. "Ele apoia a Bíblia. A razão pela qual nosso mundo está em ruína moral e econômica hoje é porque nós, no Ocidente, a desrespeitamos. Isto é fatal."
Família: relação diferente com ilha
Mary Anne voltou regularmente a Lewis antes de sua morte em Nova York, em 2000, aos 88 anos. A irmã mais velha de Trump, Maryanne Trump Barry, uma juíza federal, visitou dezenas de vezes a ilha e é muito querida na região. No ano passado, ela doou 160 mil libras (210 mil euros) para um lar de idosos e uma casa de repouso em Stornoway.
Mas muitos acreditam que Trump só foi a Tong em 2008 porque ele estava tentando angariar apoio público para seu controverso campo de golfe em Aberdeen, construído após o governo escocês entrar em cena e ignorar o conselho local.
"A família tem tido um relacionamento genuíno e de longo prazo com o local", afirma o radialista em língua gaélica Kenny Maciver. "Donald? Não. Ele só tinha interesse até o momento em que o local lhe tinha alguma utilidade .
Há a expectativa que Donald Trump retorne à Escócia no final deste verão europeu – outro campo de golfe que ele possui em Turnberry será reaberto no próximo mês. Mas poucos em Lewis têm a expectativa de que ele faça uma visita surpresa: talvez melhor assim.