As tradições alemãs que influenciaram o Natal no Brasil
21 de dezembro de 2024Em dezembro, a atmosfera natalina decora, embeleza e envolve as cidades do Brasil, da Alemanha e de vários países. Enfeites, guirlandas, sinos, músicas, luzes, comidas e presentes são alguns dos símbolos compartilhados entre aqueles que comemoram a festa cristã litúrgica do nascimento de Jesus.
Curiosamente, há várias tradições natalinas oriundas da Alemanha que se inseriram ou foram apropriadas pelos brasileiros, mas que hoje não são mais conhecidas pela origem alemã. O símbolo mais óbvio é a árvore de Natal. De acordo com o livro A invenção da árvore de Natal, do escritor Bernd Brunner, a primeira aparição do ícone teria sido em Freiburg, no sul da Alemanha, no ano de 1419.
O livro relata que padeiros enfeitaram com pães-de-mel e nozes uma árvore em um hospital da cidade. A história, porém, não tem comprovação em documentos.
O primeiro registro oficial veio em 1535, quando foi montada uma árvore de Natal na cidade de Schlettstadt, na região da Alsácia. Em 1611, houve o primeiro registro de uma árvore de Natal iluminada, quando um pinheiro foi enfeitado com velas por Dorothea Sibylle da Silésia, uma duquesa nascida em Berlim em 1590.
O pinheiro é um dos protagonistas na tradição natalina alemã. Enquanto a maioria das árvores perde a folhagem durante o outono e passa o inverno com galhos secos, algumas espécies, como os pinheiros, se mantêm verdes o ano inteiro — o que simboliza fertilidade e prosperidade diante do frio e da neve.
As famílias alemãs dão continuidade até hoje à tradição de usar pinheiros naturais como árvore de Natal. Já no Brasil, as árvores artificiais são bastante populares.
Carioca e de avô alemão, a professora do Departamento de Línguas Modernas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Karen Pupp Spinassé mora desde 2006 em Porto Alegre e recorda uma particularidade da decoração natalina: "Meu avô era de Dresden e migrou para o Brasil na década de 1920. Ele conheceu minha avó no Rio de Janeiro. Não havia árvore nos primeiros natais que ele celebrou com a família dela. Foi ele quem introduziu a tradição."
"Lembro que tínhamos uma árvore pequena e era comum colocar chumacinhos de algodão para simular os flocos de neve. Esse detalhe sempre me chamava atenção", afirma. "Meu avô fazia isso porque o Natal é uma festividade de inverno no continente europeu. O contexto do Rio de Janeiro é bem diferente, então o algodão era uma marca de nostalgia e remetia à maneira como se celebrava a ocasião no Hemisfério Norte."
Práticas e ritos de dimensão nacional
Devido à migração alemã para o território brasileiro durante o século 19, muitas famílias do sul do Brasil dão continuidade até hoje aos costumes e hábitos dos antepassados europeus. Ir à igreja e entoar cânticos natalinos são exemplos disso.
"Concertos de música com composições natalinas são organizados para elevar o espírito e trazem uma mensagem de esperança e união. Grupos de corais cantam em eventos durante o mês de dezembro e isso não se restringe à região do Sul do Brasil. Acontece no país inteiro. Eis, portanto, um traço cultural oriundo da Alemanha e de outras regiões da Europa que está fortemente inserido na sociedade brasileira", afirma Lissi Bender, professora aposentada e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Eberhard Karls de Tübingen.
Talvez o exemplo mais clássico, memorável e onipresente do Natal do Brasil seja a canção Noite Feliz. Trata-se da tradução de Stille Nacht. A melodia é de autoria do organista austríaco Franz Xaver Gruber e a letra é composta por um padre também nascido na Áustria chamado Joseph Mohr.
Stille Nacht foi apresentada pela primeira vez na véspera de Natal de 1818, na Igreja de São Nicolau, em Oberndorf, uma pequena cidade na Áustria, próxima à fronteira com a Alemanha. A tradução do alemão para o português foi feita pelo Frei Pedro Sinzig, um frade franciscano nascido na Alemanha em 1876 que se naturalizou brasileiro em 1898.
Biscoitinhos de Natal
No quesito culinária, Brasil e Alemanha não compartilham semelhanças em relação a pratos e receitas que são preparados na época do Natal. Apesar disso, um item em comum se destaca entre as duas culturas: os biscoitinhos natalinos.
Durante as festas de final de ano, mercearias, padarias e supermercados brasileiros comercializam biscoitos amanteigados que são produzidos industrialmente. É fácil encontrar à venda nesses estabelecimentos latas coloridas ou potes decorados com desenhos de Papai Noel, renas, pinguins, bonecos de neve e presentes.
Há brasileiros que presenteiam amigos e familiares com as latas de biscoitos ou usam esses quitutes na ceia de Natal. Apesar de não haver consenso sobre a real origem do alimento, o hábito de confeccionar e assar biscoitos natalinos é uma tradição que remonta aos conventos e mosteiros da Alemanha na Idade Média.
De acordo com o historiador e pastor luterano Martin Norberto Dreher, é muito comum as famílias do Sul do Brasil seguirem a tradição alemã do Calendário do Advento, que conta com um momento em que os biscoitos entram em cena. "Um dos acontecimentos mais especiais do Weihnachtskalendar é o Dia de São Nicolau, em 6 de dezembro. Nessa ocasião, as crianças recebem os primeiros biscoitos natalinos. Isso é uma característica bem típica da região e mobiliza tantos os adultos como as crianças", conta.
"Há uma grande variedade de Weihnachtsgebäck [bolachinhas tradicionais de Natal], mas a maioria tem ingredientes como farinha e mel, além de merengue ou glasura com confeitos em cima. A indústria de alimentos se apropriou disso e hoje podemos encontrar esses doces nos supermercados", acrescenta Dreher.
Na casa do historiador, em São Leopoldo (RS), a tradição natalina contava também com outros doces caseiros inspirados nas receitas alemãs: "Tenho recordações do tempo de minha infância quando havia uma adaptação do Obstkuchen [bolo de frutas] feito com frutas cristalizadas. Minha mãe colhia figos verdes, preparava em compotas e utilizava pêssegos. Figos e pêssegos era o que havia disponível para substituir as frutas europeias."
E no Norte do Brasil?
A herança da imigração alemã para o Sul do Brasil, iniciada em 1824, tem influência bem marcante nas festividades natalinas da região. Mas também é possível identificar traços de aspectos culturais alemães em elementos natalinos fora dessa localização geográfica.
Segundo a professora do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Zaira Nascimento da França, as famílias do Nordeste, em especial da Bahia, preservam um costume que perdeu espaço para os modernos recursos tecnológicos: o envio e a troca de cartões de Natal.
"Apesar de ser originalmente uma tradição inglesa iniciada em meados do século 19, o ato de escrever cartões natalinos é bastante popular e difundido na Alemanha. Os alemães mantêm essa prática e até hoje enviam os cartões por correio — mesmo em tempos de computadores, tablets e smartphones", diz a baiana.
Ela recorda um episódio emocionante envolvendo cartões natalinos que vivenciou em 2004, quando estava na Alemanha. "Em Prien am Chiemsee, eu comprei e distribuí cartões de Natal para funcionários do Instituto Goethe. Um deles ficou muito tocado pelo gesto e começou a chorar. Ele agradeceu e me abraçou. Eu também fiquei em lágrimas. Não sei ao certo o que ele sentiu naquele momento e quais foram as lembranças que foram ali suscitadas, mas houve uma quebra de paradigma em relação ao estrangeiro e ao estereótipo de que os alemães costumam ser frios e formais."
O encontro comovente em Prien am Chiemsee é lembrado por França com afeto e ela estabelece uma associação entre o episódio e a forma como os baianos prosseguem com a tradição da troca de cartões durante as festas de fim de ano. "Na minha vizinhança, aqui em Salvador, ainda há pessoas que escrevem esses cartões com mensagens de prosperidade e esperança. Ou seja, é uma tradição que não caiu em desuso."
França aponta ainda a semelhança entre os ornamentos natalinos da Alemanha e os adornos que enfeitam as casas no Nordeste brasileiro. "Tenho uma vizinha católica que dispõe sob a mesa de Natal uma guirlanda com flores e velas. Eis um item de decoração que pode ser diretamente inspirado no Adventskranz — a coroa de galhos de pinheiro decorada com quatro velas durante o período do Advento alemão", afirma.
França indica outro ponto em comum entre as duas culturas. "Sempre me perguntei se o quentão que bebemos aqui no Brasil é inspirado no Glühwein da Alemanha. Ambas as bebidas são apropriadas para a estação do inverno, ou seja, o Natal na Alemanha e a Festa de São João no Brasil. Nós, brasileiros, bebemos quentão feito com vinho ou cachaça. Já na Alemanha é somente o vinho. Mas tanto no Brasil como na Alemanha a receita é preparada com pedaços de maçã e cascas de limão ou laranja. No Brasil, a bebida também leva canela, cravo e fica em infusão. Será que o quentão é o Glühwein brasileiro?", indaga a professora.