Ascensão (e queda?) de Berlusconi
5 de abril de 2006Na Alemanha, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, pontifica sobretudo pelas manchetes grotescas. Talvez por isso ninguém o leve realmente a sério no país.
Pois seria impensável o líder social-democrata Peter Struck, por exemplo, mandar fazer um transplante capilar, ou o ministro Franz Müntefering apresentar um voto de castidade público até as próximas eleições, ou a premiê Angela Merkel se declarar o Messias feminino da política alemã.
Caso tal acontecesse, a reação dos alemães certamente seria de estranhamento e indignação. Mas não na Itália, onde esse tipo de ocorrência já virou rotina. Graças a Silvio Berlusconi.
Geralmente, a tentação é ridicularizá-lo, embora o assunto não seja para rir, já que tais chanchadas fazem parte da autoencenação que lhe tem assegurado sucesso. Pelo menos até hoje.
Sonho italiano tornado carne
O eternamente bronzeado magnata midiático com sorriso de tubarão, auto-intitulado "o sonho italiano tornado carne", ocupa o cargo de premiê há mais tempo do que qualquer outro antecessor – excetuado o ditador fascista Benito Mussolini.
Desde 2001, Berlusconi acumulou cada vez mais poder; no momento calcula-se sua fortuna pessoal em torno de 11 bilhões de dólares, o que faz dele o italiano mais rico do mundo. Diante da imunidade política do chefe de governo, as promotorias públicas que tanto gostariam de acusá-lo de negócios possivelmente ilegais ficam impotentes.
Nos últimos dez anos, o primeiro-ministro já esteve envolvido em mais de uma dúzia de processos. Porém, até agora conseguiu escapar à Justiça, seja através de adiamentos e recursos ou de leis aprovadas especialmente para protegê-lo. Em seu país já se popularizou o termo "lex Berlusconi".
"Com vocês, a TV Berlusconi"
A ostentação de poder do chefe de governo italiano se baseia num estilo de liderança que ele denomina "econômico". Certa vez, ele afirmou ser o "presidente da Firma Itália". Ele tem aproveitado seu mandato para ampliar cada vez mais as atribuições do primeiro-ministro, e de quebra abocanhou pouco a pouco quase todo o mercado televisivo italiano.
A influente empresa de telecomunicações Mediaset já lhe pertence, e seu longo braço vai até à diretoria da rede estatal RAI, em cujo conselho administrativo e editorias Berlusconi emprega seus protegidos. Ao todo, ele domina atualmente 90% dos meios públicos de comunicação em seu país.
Assim, entre programas de auditório, esportes e telenovelas, os italianos assistem sobretudo a uma personalidade: o amigo pessoal de George W. Bush e Vladimir Putin, o "Messias" da Itália, o sedutor cuja presença faz derreterem as mulheres, o mecenas do futebol e proprietário do aclamado AC Milan.
Enfim, eles assistem ao espetáculo Silvio Berlusconi.
Populismo mass-media
Há semanas Berlusconi se autocelebra, desimpedido, na TV, rádio e jornais: o homem de Estado, o don juan, o empresário, o palhaço. O premiê é um promotor realmente genial de si mesmo.
Sua presença e poder na mídia desencadeou uma "revolução cultural silenciosa", avalia Alexander Stille, pesquisador do fenômeno Berlusconi. O fato é que, segundo a organização norte-americana Freedom House, a Itália ocupa atualmente, ao lado da Mongólia, o 77º lugar no ranking mundial da liberdade de imprensa.
Umberto Eco, um dos mais ferrenhos críticos do premiê, tenta explicar esse fenômeno. Segundo o autor e filósofo de fama mundial, a Itália atravessa um "regime televisivo", regido pelo populismo da mídia de massa, cujo fim é educar os italianos a acreditar em tudo o que vêem na telinha.
Cinco anos fatídicos
Nas eleições de 9 e 10 de abril o adversário de Berlusconi será o ex- presidente da Comissão da UE, Romano Prodi, de centro-esquerda. Segundo enquetes recentes, ele até se encontra ligeiramente em vantagem.
A oposição fareja novos ares e observadores da cena política italiana descrevem premiê o tão seguro de si como seriamente desestabilizado. Num dos últimos duelos televisivos entre os dois candidatos, Prodi lhe perguntou: "O que o senhor fez nestes cinco anos, além de leis para servir a seus próprios interesses?"
Maior do que Napoleão
A rigor, não muito. A conjuntura da quarta maior economia européia foi afetada durante o mandato de Berlusconi. Em 2001, quando ele tomou posse, o crescimento econômico era de 1,8%. Agora, a Itália é a lanterninha da Europa, com 0,0% de crescimento.
A controversa reforma judiciária de 2005 – segundo o jornal Süddeutsche Zeitung uma "vitória dos malfeitores" – também depõe contra Berlusconi. Desde então, os processos se arrastam interminavelmente na Itália, que, na comparação internacional, encontra-se no nível da Guatemala em termos de eficiência da Justiça.
Tais fatos, no entanto, deixam o premiê inabalável. Ele afirmou há pouco haver levado seu país a um apogeu durante seu mandato. E acrescentou: "Sou maior do que Napoleão". Só que, ao que tudo indica, são cada vez menos italianos a compartilhar essa opinião.