Assim a China está mudando sua imagem no mundo
10 de maio de 2018"Posso terminar de beber meu leite Shuhua?" Em 2011, quando o blockbuster Transformers 3 chegou aos cinemas chineses, esse marketing indireto gerou sorrisos irônicos no público. Na cena em questão, o ator americano-coreano Ken Jeong bebe de canudinho um leite do fabricante chinês Yili. O público ainda tinha bem claro na lembrança o escândalo do leite em pó envenenado de 2008, no qual também a marca Yili esteve envolvida.
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Quem entende de propaganda na China sabe que esse comercial disfarçado não era só uma ação de marketing da Yili, mas também - e principalmente - um exemplo das ações dos chineses no âmbito do soft power. Dentro dessa estratégia, a marca Made in China não deveria mais ser vista apenas nas letras miúdas de produtos baratos ou nas etiquetas de roupas: ela deveria estar, também, exposta na tela grande de cinemas de todo o mundo.
No início dos anos 2000, a liderança chinesa chegou à conclusão de que ter uma posição de mercado dominante e ser uma locomotiva econômica não bastam para atender às próprias expectativas de liderança mundial. Por isso, em 2007, o então chefe de Estado e de partido, Hu Jintao, ordenou que se passasse a investir em ruan shili, ou soft power. O sucessor, Xi Jinping, incluiu a estratégia no seu programa de governo para "refortalecimento da nação chinesa".
Soft power, na definição do criador do termo, o cientista político americano Joseph Nye, é o poder de atração de um Estado com base em seus valores políticos, sua cultura e sua presença internacional. Que a China, com seu Estado comunista de partido único, sua atuação arrogante como potência regional, seu desrespeito pelos direitos humanos e pelas liberdades individuais, sua censura disseminada e sua cultura e língua de difícil assimilação por estrangeiros, tenha dificuldades naturais para desenvolver seu soft power não é algo que surpreenda.
Mas dinheiro e vontade estão disponíveis. Segundo o sinólogo americano David Shambaugh, a China investe cerca de 10 bilhões de dólares por ano na construção da imagem internacional do país, enquanto os EUA não chegam a nem 670 milhões de dólares.
Parte dos recursos liberados por Pequim vai parar na indústria cinematográfica americana. O objetivo é fincar pé na máquina de produção e exportação cultural chamada Hollywood. Em Transformers 4, que foi parcialmente rodado na China, esse modelo de negócios teve prosseguimento.
Cerca de metade dos 20 posicionamentos de produto vieram da China, e uma atriz chinesa desempenhou um papel de coadjuvante. Só na China o filme rendeu 300 milhões de dólares, o que já é bem mais do que o custo de produção. Os chineses também são donos de cinemas nos Estados Unidos. A rede AMC Theatres, com 8.400 cinemas, pertencem ao conglomerado chinês Wanda.
Ofensiva de mídia na África
Outro braço do soft power chinês é a mídia estatal, com foco na África. A emissora CCTV produz programas locais a partir de Nairóbi, com 14 sucursais espalhadas pelo continente. A agência de notícias estatal Xinhua tem mais de 30 centrais de correspondentes na África. Em todo o mundo, a agência quer chegar a 200 até 2020. A empresa privada de mídia Star Times, com sede em Pequim, garantiu para si licenças de transmissão em 16 países africanos e opera 34 canais, com programação em dez línguas.
A oferta das empresas de comunicação chinesa chega a um público cada vez maior na África. Ela é barata – em muitos casos até mesmo gratuita – e "livre de ideologias", afirmam os consumidores. O presidente da Namíbia, Hage Geingob, declarou em março, durante uma visita a Pequim, que a China é um parceiro confiável e um amigo sem passado colonial. "A opinião pública africana critica as alegações, na sua totalidade infundadas, sobre a China", disse Geingob.
A ofensiva midiática chinesa na África salta aos olhos, comenta o jornalista queniano Eric Shimoli, em declarações ao jornal The New York Times. Ele trabalha para o maior jornal do país, The Daily Nation, que fechou uma cooperação com a Xinhua. A maior editora jornalística da África do Sul, Independent Media, tem, desde 2017, um proprietário chinês.
Assim como os africanos, também os cinco países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) consideram-se subrepresentados no cenário midiático internacional. Durante um encontro de mídia em Pequim, em 2017, representantes de 27 empresas de comunicação do Brics exigiram que o "monopólio de informação" do Ocidente seja quebrado e que seja incentivada uma "formação de opinião pública mundial equilibrada".
Expansão do Instituto Confúcio
Em países ocidentais, a atuação midiática chinesa é bem mais discreta. Alguns canais a cabo da Alemanha, por exemplo, transmitem um programa chamado Nihao Deutschland (Olá, Alemanha), de pouca influência. Bem mais visível é a atuação dos Institutos Confúcio, que oferecem cursos de língua em cooperação com universidades estrangeiras, bem como uma variada programação cultural para todos que se interessam pelo país oriental.
Desde 2004, mais de 500 Institutos Confúcio foram abertos em todo o mundo, quase a metade deles nos Estados Unidos. O responsável por essa expansão é o Hanban, como é conhecido o órgão para difusão da língua chinesa pelo mundo. Ele coordena a parceria com uma universidade estrangeira e é também responsável pelos professores e pelo material didático em inglês.
O financiamento costuma ser dividido pela metade entre os parceiros. Em países em desenvolvimento, o Hanban assume todos os custos de instalação e de manutenção das unidades. O jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung calculou que o Hanban investe entre 50 mil e 100 mil dólares anuais por Instituto Confúcio.
Se esse dinheiro está de fato melhorando a imagem da China no mundo é questionável. As críticas aos Institutos Confúcio são frequentes, principalmente no Canadá e nos Estados Unidos. Em 2014, mais de cem professores da Universidade de Chicago foram bem-sucedidos na sua reivindicação de encerrar a parceria com o Hanban. Eles temiam que a liberdade acadêmica fosse posta em risco.
O mesmo motivo levou a Universidade A&M, no Texas, a segunda maior dos Estados Unidos em número de estudantes, a encerrar sua cooperação com o Instituto Confúcio em abril. Dois congressistas republicanos haviam expressado preocupação "com a influência do governo chinês sobre a educação texana, os riscos para a liberdade acadêmica e a difusão de uma agenda política chinesa".
Na Alemanha, o sinólogo Jörg Rudolph critica a participação de instituições de ensino superior alemãs nos Institutos Confúcio. "Os chineses querem fazer a propaganda deles, mas que universidades e professores alemães coloquem sua reputação à disposição é, do meu ponto de vista, inaceitável", declarou à emissora Deutschlandfunk. Em todo o país há 19 institutos de promoção da língua chinesa.
Pela experiência até aqui, o setor politicamente menos delicado é mesmo o cinema. A Oriental Dreamworks, uma joint venture formada em 2012, durante uma visita de Xi Jinping aos Estados Unidos, produziu a animação Kung Fu Panda 3 em parceria com a Dreamworks Animation. Os primeiros filmes da série foram produções totalmente americanas e, segundo a revista The Economist, fizeram mais pelo soft power chinês do que qualquer filme feito pela China até então.
A China está aprendendo com Hollywood. A Oriental DreamWorks é, hoje, um estúdio 100% chinês e foi rebatizada para Pearl Studio. O novo logotipo é emblemático: uma pérola na palma de uma mão vermelha.
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