Astro literário por acaso: Haruki Murakami faz 70 anos
12 de janeiro de 2019De repente lá estava aquele romance que todo o mundo "tinha" que ler: no começo dos anos 90, uma amiga me colocou na mão Caçando carneiros, de Haruki Murakami, com uma recomendação veemente. O livro me pareceu captar com precisão meu estado de espírito na época, de desorientação pessoal e estagnação no início do estudo universitário, e portanto o devorei.
Ele conta sobre um publicitário de 29 anos, recém-separado da esposa, morando sozinho com um gato num pequeno apartamento da Tóquio moderna. Murakami descreve a banalidade do cotidiano numa linguagem clara e sem adornos, e no entanto distante de qualquer tipo de certeza.
O protagonista anônimo fuma, bebe cerveja, tem uma fraqueza por música e mulheres com características especiais, como as orelhas mais lindas do mundo. A vida em abandono e solidão, a existência passiva e a busca por um amigo de juventude, que na verdade já morreu e vaga fantasiado de carneiro, se desdobram numa odisseia que nada tem a ver com a caçada do título.
A recusa de se tornar adulto e a difusa busca de algo que está faltando me fascinaram. A carinhosa distância com que Murakami descreve suas personagens me agradou tanto que me propus a conhecer mais desse autor japonês na época basicamente desconhecido. Com o mesmo entusiasmo, li em seguida Hard-Boiled Wonderland and the End of the World, A sul da fronteira, a oeste do sol e Crônica do pássaro de corda.
O realismo mágico do japonês só encontrou interesse amplo na Alemanha alguns anos depois, quando minha própria "fase Murakami" já quase passara. O estopim foi um debate bizarro em junho de 2000, no programa de TV Literarisches Quartett, que ostentava boas cotas de audiência com seu alto teor de entretenimento.
A discussão entre o então papa da crítica literária alemã, Marcel Reich-Ranicki, e a colega Sigrid Löffler sobre A sul da fronteira, a oeste do sol centrava-se nas cenas de sexo. Para Löffler, elas eram um "balbucio sem linguagem nem prazer", e o romance uma "fast-food literária". Em reação, Reich-Ranicki a insultou de hostil ao prazer, desencadeando um verdadeiro escândalo.
Seguindo o princípio do "fale mal, mas fale de mim", A sul da fronteira, a oeste do sol virou um best-seller praticamente do dia para a noite. Murakami se transformou em autor cult, com sua capacidade ímpar de traçar uma nova imagem do Japão moderno, em que se dá grande valor à culinária, à música e à vida noturna. Já tendo recebido numerosos prêmios, há anos muitos o apontam como favorito para o Nobel da Literatura.
Como relata em sua autobiografia Romancista como vocação, Murakami começou a escrever meio por acaso. "Eu não tinha a menor formação para escrever romances. Tinha me inscrito em teoria do cinema e teatro, mas – como convinha à época – não estudei praticamente nada, e sim deixei crescer o cabelo e a barba, e andava por aí desleixado. Eu outras palavras: eu ficava fazendo nada."
Logo em seu primeiro romance, Ouça a canção do vento, de 1979, o indolente estudante acertou tanto, que recebeu o prêmio de novos talentos da revista literária Gunzo. O fato teve consequências: "Antes que eu me desse conta, era escritor profissional. Eu mesmo me espanto de como foi fácil. Fácil demais", avalia em sua autobiografia.
Segundo o autor nascido em 1949, filho de um sacerdote budista, escrever fica em algum ponto "entre andar devagar de bicicleta e caminhar rápido", não sendo, portanto, coisa para gente realmente inteligente, que gosta de formular ideias com precisão absoluta.
Seu contato com os livros já veio através dos pais: ambos lecionavam literatura japonesa e desde cedo iniciaram Murakami na matéria. Ele passou a infância na cidade portuária de Kobe, onde também estavam estacionados soldados americanos, o que lhe permitiu logo acesso a autores ocidentais.
Em 1968, Murakami começou a estudar teoria teatral na Universidade Waseda, em Tóquio. Lá também conheceu Yoko, com quem se casou em 1971, após concluir o curso universitário. Paralelamente ao estudo, ele trabalhou numa loja de discos, e lá desenvolveu sua grande paixão pela música ocidental. Por esse motivo também manteve de 1974 a 1982, em Tóquio, o jazz-bar Peter Cat.
De 1991 a 1995 trabalhou como professor convidado nos Estados Unidos e traduziu para o japonês romances de Raymond Chandler, John Irving, F. Scott Fitzgerald e Truman Capote, entre outros. Em 1995 retornou para o Japão. Kafka à beira-mar, de 2002, conta entre seus principais best-sellers.
"Sobreviver como escritor é um empreendimento quase impossível", muitas estrelas cadentes desaparecem sem deixar traços, comenta o autor. Ele mesmo parece estar salvo de tal destino. Lançados em ritmo espantosamente veloz, seus romances não cessam de entusiasmar uma vasta comunidade de fãs.
Nos últimos anos, porém, acumulam-se as críticas à obra de Murakami. Alguns críticos o acusam de produzir, no máximo, literatura de passatempo; outros apontam uma propensão a regularmente recorrer aos mesmos elementos estilísticos. Eles lhe atestam uma certa falta de originalidade, ao repetidamente caracterizar seus protagonistas por superficialidades como o estilo de vestir, gosto por pratos exóticos ou rituais eróticos.
Meu veredicto sobre os últimos livros é semelhante, mas isso em parte é questão de gosto. Murakami afirma que para ele tanto faz se uma obra em que está trabalhando entrará para a história da literatura. Sua única questão é chegar até o fim. "Não quero morrer, pelo menos até ter acabado este romance, não quero morrer de jeito nenhum."
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